VIGILANTE VI–A PRIMEIRA INVESTIDA
Se da sua cobertura no 33°andar a chuva parecia gotas de cristal líquido caindo do céu, nas ruas, ela é a destruição:
Bocas de lobo como geigers.
Agua vazando dos bueiros.
Nossa imundície vem à tona em correntes e alagamentos.
É nesse cenário aquático de casas alagadas e carros abandonados com agua cobrindo os pneus e chegando às portas, que encontramos Liu Gonçalves, um verdureiro sino descendente de um avô que migrou da China para o Brasil no começo do século passado em busca de uma vida melhor.
Vida melhor pensa Liu enquanto avança contra a correnteza, a roupa e o rosto marrons e mal cheirosos da luta contra a água e a sujeira que ela trazia de encontro a ele.
“maldito vô, isso sim, vida melhor... Olha a vida melhor que eu tenho vô sama. Merda até a cintura e nem deu maré alta, como as pessoas daqui dizem quando a água está no máximo e as coisas submersas...
Não conclui o pensamento.
Seu caminho é bloqueado por um adolescente magro com uma faca de cozinha na mão.
--- Passa tudo. Quero grana não sua vida, meu velho. Então nem pense em resistir.
A camiseta do garoto está amarrada ao seu rosto de maneira a esconder sua boca e nariz. Os olhos estão esbugalhados.
Paranoico olhar. O garoto está na quebradeira do crack. Turbinado.
Imprevisível.
Súbito uma sombra, uma mancha escura cai sobre o garoto.
Retalha-o violentamente.
Liu teve um vislumbre de reflexos de lâminas. Uma longa – espada. Outra curta – adaga.
Logo depois o paranoico assaltante ajoelha-se.
A mancha escura parada à sua frente segura de maneira impossível, como se levitando em pleno ar, um conjunto de katanas.
No corpo do garoto, como grandes bocas rubras, feridas se abrem e se alargam. Membros soltam-se do tronco decepados.
Ele ainda tem tempo de murmurar.
--- Redentora, você é... minha... Redentora. Sonhei isso... Você me... encontrou. Gra..ti...
E sua cabeça tomba de lado, quase decepada.
Liu grita.
Está parado observando tudo.
A mancha avança para a faca do garoto.
Contrai a lâmina contra o chão.
É uma faca retrátil. Um brinquedo inofensivo cuja lâmina de plástico, muito parecida com a real, vai para o cabo da faca quando sofre qualquer leve resistência.
Liu grita de novo.
--- Vaza daqui.
Liu cai fora correndo.
Denise tira a máscara.
Sentia-se sufocada pelas lágrimas que o traje não absorvia e que ardiam em seu rosto.
“Tenho que concertar isso” – pensou Denise.
Se era uma referência ao traje ou às lágrimas, nem ela sabia dizer...
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