JOÃO CANDIDO FERREIRA NETTO, UM PAI ARTISTA

quadros pai

 

Essa é a obra sacra de meu pai. Fica na salinha de minha mãe. Seu cantinho, seu território.

Por isso bati a foto e caí fora rapidinho. Não conseguiria, fotografar um por um sem a incomodar. É minha mãe… Aqui o lugar onde lembra-se com todo carinho de seu único amor.

Meu pai. João Cândido Ferreira Netto.

Um tempo depois, com mais calma, voltei e bati as fotos dos quadros que mais gosto.

Não me senti bem com isso. Pareceu-me que maculava um santuário de um amor que se  foi, mas deixou o sabor da perenidade. O amor de meu pai e de minha mãe.

Um amor perfeito que nunca vi igual. Nunca os vi brigando e, no final da vida de meu pai, minha mãe fez questão de permanecer junto do amado. Até as forças lhe faltarem, que foi quando meu pai pereceu.

Hoje ela convive com a lembrança dele melhor do que eu.

É hora de terminar com isso.

É hora de prestar tributo à uma faceta de meu pai pouco conhecida.

A de artista.

Pintou várias obras que ficaram dispersas por aí, como marinhas, fazendas, casamento caipiras. Seus temas eram rústicos,caboclos mesmo, a pincelada forte e rápida, deixando fortes manchas de tinta na textura do quadro, no seu traço a lá Van Gogh.

Então essa é minha homenagem a você, pai, por mais um dia dos pais em que, mesmo partindo desse mundo, o senhor nos deixou as mais ternas lembranças e belas obras que passo a compartilhar com vocês, neste dia tão especial.

De seus quadros, os da obra sacra, são os mais bem acabados e os quais menos gosto.

Mas confesso que gosto dos quadros mais coloridos, um que revela uma igreja em curtas e curvas vielas, seu campanário impondo-se imponente sobre a casa da esquina, mas superada em altura – e poder – pelo casarão senhorial. A Igreja como senzala do Casarão. O padre submisso ao Coronel:

pai igreja casarao

 

Gosto da sutileza com que meu pai, João Cândido Ferreira Netto capta esses nuances de significados com seus traços cheios de marcas rústicas de tinta parecendo realçar o significado de seus quadros.

Esse efeito é mais expressivo em seu quadro seguinte. Uma igrejinha amarela logo a seguir me emociona com sua singeleza. Uma típica e solitária capelinha de roça:

pai igrejinha

 

Meu pai usa a perspectiva, mas os elementos que coloca ao fundo estão distorcidos, quase bidimensionais, remetendo à arte naif e dando delicadeza à composição. São a comunidade paroquial da pequena capela e antes integram a igreja na comunidade que a separam.

Aqui a igreja é parte integrante da comunidade.

O sonho religioso de meu pai.

Não gosto das igrejas mais barrocas. Elas ficam em Itanhahem e me trazem pésssimas lembranças de missas forçadas, enquanto meu pai se divertia fotografando a igreja para fazer suas pinturas.

Gosto mais das obras mundanas de meu pai.

As que retratam temas do dia a dia, relativos ao ser humano e não à Deus.

Algo como esse quadro:

pai cano torto

Note como há pouco desenho e muita tinta. Meu pai acreditava mais em rechear a tela de cor e ir ajeitando-as conforme um esboço mínimo. O enquadramento convencional parece homenagear o antigo cano torto, tão saudoso e querido pelos mais maduros e tão desconhecido pelos mais jovens. Meu pai parece ter sentido sua extinção e o eternizou nessa pintura cheia de traços fortes e desenhos que na verdade são tintas misturadas na própria tela e que criam os contornos desta pintura.

Mas ainda não é minha predileta.

Gosto dessa aqui, particularmente:

pai acará

Meu pai tinha um fascínio especial pela Amazônia e por tudo o que vinha de lá.

Amava Acarás Bandeiras.

Deu-me um apenas para fotografa-lo e o pintar.

O resultado foi esse Acará Bandeira idealizado em verde e branco, como se representasse em seu corpo delgado e elegante todo o equilíbrio e paz – o branco – que a Amazônia – o verde – necessitasse para florescer.

Amo as fortes marcas de pincel que há na cauda e no corpo do peixe, feitas no colorir intencionalmente marcante de meu pai.

As formas de sua pintura são fortes, sim, mas sua temática é delicada e sensível.

Como meu pai.

Suas mãos eram, sem brincadeira, capazes de agarrar um dardo em pleno ar.

Ao menos foi a lembrança de meu pai que um amigo compartilhou comigo.

Rimos muito com essa memória. E eu fiquei divagando:

São essas mesmas mãos rápidas e fortes que retratam a delicadeza de seu espírito.

Sua preocupação social, ambiental, cívica e espiritual.

A delicadeza de seu espírito em contraste à força de seu corpo.

Um contraste que pode ser encontrado nessa última obra, minha favorita:

pai cantor pop

 

De todos os que mostrei nessa postagem, esse é o único que está em minha coleção.

Tenho muito orgulho dele.

É um sobrevivente de muitas guerras e batalhas.

Como o cantor popular que está sendo representado.

Sempre o imaginei como um herói.

Um homem emanando luz com sua poderosa arma, o violão, para combater as trevas que o envolvem, como um anjo o faria.

De maneira bela, com sua música, traz luz à escuridão.

O verbo ao que havia antes do verbo.

Dissipa o caos estabelece a ordem, a harmonia e a paz.

Que é o que deve reinar onde você está meu pai.

Navegando por mares inimagináveis num barquinho de uma de suas marinhas perdidas no oceano do Inimaginável.

Olhando por todos nós seus amados aqui no Imaginável, com seus olhos de águia, mãos fortes e a pureza radiante de seu espirito…

 

 

Comentários

  1. Parabéns! Gostaria muito de te lo conhecido. Mas ainda tem sua obra, q podemos admirar e a sua interpretação e história, através de um filho tão amado.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Obrigado, foi difícil escrever esse. há errinhos aqui e ali. Não corrijo pq errei de tanto chorar e quero q fiquem marcados como lágrimas no texto.....

      Excluir

Postar um comentário

Mande fumo pro Curupira

Postagens mais visitadas