O HOMEM TORTO–V–FRENTE A FRENTE COM O HOMEM TORTO
Momentos antes do disparo, bem no fundo das sombras do bosque, Alicinha encontrara o Homem Torto cara a cara.
Era todo torto mesmo. Estava com a ema nos braços. Seus olhos brilhantes encaravam a menina.
Tinha antebraços e pernas peludos dobrados para trás em grandes patas curvas e sustentavam um tronco magro e enorme recurvado, coberto por um manto dos pampas. Os pelos saiam por entre as frestas do tecido rústico a medida em que subiam para um longo pescoço peludo.
Seu rosto era meio felino meio humano, traços de jaguar, olhos com um brilho rubro e intenso. Um chapéu de abas largas envolvia em sombras a luz vermelha de seu olhar.
Era muito maior do que Alicinha julgava ser possível. E muito mais pavoroso que nas histórias. Mas Alicinha lembrou da missão deles, proteger as matas. Eram horríveis por isso. Quanto mais feios, mais segura as matas.
Lentamente caminhou para ele. A pena estendida entre as duas mãozinhas.
O Homem-Torto ficou surpreso.
Em toda a sua mítica e milenar existência nunca vira uma oferenda de tão livre e espontânea vontade. A atitude da menina, a pena da ema em suas mãozinhas, o sorriso de quem não tem culpa se oferecendo para o abate...
Aquilo era lindo para a criatura. E delicioso.
Foi quando ouviram o tiro.
O Homem Torto dobrou-se de dor.
Alicinha pode perceber o ódio e a selvageria no brilho rubro luminoso que irradiou da criatura.
Ele urrou. Largou a ema, caiu-lhe o chapéu, o manto esvoaçou e saiu-lhe pela cabeça com a velocidade de seus movimentos. O Homem Torto correu em disparada atropelando Alicinha no meio do caminho.
Ela sentiu O Homem Torto passar por cima dela, virando seu corpo e cortando sua carne.
Alicinha, feridas abertas, sentia dor. Mas não encontrava forças para gritar tamanho medo que a dominava. O Homem Torto era mau. Muito mau.
Em choque, viu a criatura dirigir-se para a saída do bosque, correndo com as duas pernas dobradas para trás. Movia-se em grande velocidade para a luz que indicava o fim das árvores e a origem do tiro.
Depois, a analgesia da escuridão tomou conta de seu corpo e desmaiou.
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Mande fumo pro Curupira