O HOMEM TORTO–I–O ACIDENTE COM A EMA

 

 

 

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Quando a ema saiu do bosque e chocou-se no carro da família em viagem de férias aos pampas argentinos, cada um percebeu o acidente de maneira muito diferente.

Para ele, que estava ao volante, foi tudo em câmera lentíssima. Conseguiu ver claramente a ema saindo do nada, a expressão assustada da ave antes do impacto, achou até que ouvira o crec do pescoço da ave quebrando-se, seus olhos tornando-se baços enquanto fechavam-se para sempre. Viu até as intrincadas teias de rachaduras de vidro que surgiam no para-brisa.

Para ela, que tentava dormir no banco ao lado, cabeça encostada na janela do passageiro, tudo foi um instante de pneus cantando, o carro sacolejando e uma explosão de penas.

A filha de 09 anos, distraída com o filme que via na tela do DVD no banco de trás, ouviu o Tunc surdo do corpo da ema rolando pelo capô e viu a súbita depressão que surgiu no metal.

Ele, com absoluta certeza que matara o animal, prosseguiu a jornada, sob os protestos da mulher.

--- Você atropelou uma ema, Arnaldo, volta para socorrer o bicho, pô.

--- Eu vi ela morrer Ana, você não confia em mim mesmo, né.

--- Você não gosta de animais como eu. Ela pode estar sofrendo...

--- Mesmo que estivesse, onde nesse meio do nada a gente ia arruma ajuda? Diz?

Ocupados em discutir a morte da ema, nem viraram para trás.

Mas Alicinha, a filhinha, virou. Foi quando viu algo cabeludo e retorcido sair da mata e recolher o corpo da ave morta.

--- Mãe, o homem torto. Eu vi o homem torto.

--- Espera minha filha eu e seu pai estamos conversando...

--- Conversando, Unh. Quem dera, Alicinha...

--- Mas eu vi o homem torto. Ele pegou o passarinho que você machucou.

--- A culpa foi da ema, filha, não minha - disse para filha, e a seguir, para a mulher:

--– A ema entrou na minha frente, Ana, não pude fazer nada. Você devia dar graças a deus que consegui manter o controle do carro, além do mais estamos quase em Mendoza. Não podemos perder tempo.

--- Como assim, perder tempo? Somos sua família e estamos a passeio. Férias, lembra? Você não gosta de perder tempo com a gente, sua família? Caramba, Arnaldo, se não for por mim, por ela.

--- Mas marquei o horário certo para chegar, Ana. Vamos perder o maldito check-in? Pagar um dia a mais de aluguel do carro, além de concertar para-brisa e capô? Um dia a mais para pagar, um passeio de verdade a menos para fazer, percebe?

--- Eu vi o homem torto, mãe, ele existe, quero ver de novo.

Ana, cansada daquela discussão levou o indicador aos lábios, pedindo silêncio. Arnaldo revirou os olhos de contrariedade, mas anuiu com a cabeça.

 

 

pombero

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