CRÔNICAS DO INSANATÓRIO–XII– O MAGO DO VERDE

 

 

alchemy art

 

Cícero, nesse meio tempo, praticava a “magia do verde” com Denise. De dia colhiam folhas, galhos, qualquer coisa vegetal que chamasse sua atenção. Tentavam ser intuitivos. Colher sem pensar, apenas colher. Zen a beça.

Colhidos frutos, folhas, galhos e raízes, buscavam saber seu nome.

Consultavam Regina, ex-professora assistente da Unesp, ex-usuária de crack e ex-interna da Luta Livre. Ela conhecia tudo de plantas.

--- Ah, isso é seiva de serigóia – um dia Regina lhe respondeu, quando Cícero lhe mostrou algo que parecia âmbar escorrendo de uma alta e esguia árvore, raízes saindo da terra em grossas curvas.

A noite faziam “magia”.

Daí vinha o delírio: tentavam saber o nome “oculto” das árvores. Ou melhor, Cícero tentava.

Perguntava pelo nome da planta em questão ao micélio, onde fundia sua consciência até voltar com um nome que parecia ser tirado do universo de H. P. Lovecraft:

Tshategguo, Inhotep, Yaggisht, Ngurath, Azraleth...

Invocando o nome da planta, faziam misturas, emplastros, criavam remédios, substâncias de propriedades mágicas relacionadas à sensações aleatórias suscitadas pela sonoridade terrível dos nomes.

Nomes anciãos e esquecidos nos éons da eternidade e reais, ou um delírio para lá de lovecraftiano com Wicca?

Pois não havia meio termo.

Cícero tinha medo de Denise e, ao mesmo tempo, queria ver quais seus limites como “mago”, principalmente agora que tinha alguém que acreditava nele.

Denise achava aquilo real.

Eles queriam que aquilo fosse real.

E Cícero cada vez mais eufórico, foi caindo em espiral no delírio e na autoidolatria típica dos bipolares.

Eram bruxos, magos do caos, do verde, bailarinos de Hecate, sabíam onde caíra Lúcifer e como havia se transformado na estrela da manhã. Líamos os astros, as cores do céu, fazíamos dos sonhos encantos, dos pesadelos feitiços.

Assim o certo é afirmar que Cícero acreditava que o real perdera a graça. O mundo que estava construindo com Denise através da imaginação e da magia era muito mais interessante.

Aquilo era muito divertido.

E mais concreto do que a repetitiva rotina que se convencionou a chamar de realidade. E Denise compartilhava dessa opinião. E assim retroalimentavam-se.

Só não contavam com a intervenção da ciência.

Pois Cícero começou a envolver-se em desnecessárias e desagradáveis discussões por onde andasse: no N.A, nas sessões de terapia e na posologia diária dos remédios. Por onde ia espalhava suas opiniões com arrogância.

Ele, porém, era incapaz de uma auto avaliação e achava-se simpático. Assim, prosseguia com sua ignorante euforia, sem saber que sua arrogância estava sendo documentada por todos os profissionais que mantinham contato com Cícero.

Assim quando dr. Venâncio, o psiquiatra, chamou-o para a consulta da semana, a cama já estava armada.

mago do verde

Comentários

Postagens mais visitadas