CRÔNICAS DO INSANATORIO–VI–DE EXIBICIONISTAS ESTÚPIDOS E DETENÇÕES INJUSTAS

 

 

 

banana with open crust

 

 

Ela nem tchum para ele.

--- Não, cara, sério, são eles – novamente aponta discreta para os seguranças. São eles os dedos duros. E o Abelardo é o pior de todos.

Denise estava lá há dois anos. De maneira intermitente – passava um ou dois meses em casa e voltava – mas lá estava internada. O Psiquiatra que a internara, segundo ela, deixou sua CID em branco.

Podia estar internada por tudo, mas também por nada. E essa dúvida travava a burocracia e fora cruelmente planejada por sua mãe. Porém, nem ela, a mãe, poderia esperar que a ausência de especificação da CID, pela qual tanto lutara com o psiquiatra, tornar-se-ia um entrave burocrático para resgatar sua filha.

Seu plano era um ou dois meses.

Isso só aumentava a raiva de Denise, seu ódio, sua agressividade, seu buraco negro.

Ele girava rápido na piscina, o azul do azulejo, um breu a mais na matéria escura e densa que o formava e girava, girava, girava.

Sem parar. Mais e mais rápido.

Em direção ao passado, logo no começo de sua internação, quando um cara começou a dar encima dela.

--- Você é uma darkmetal bem comestível sabia?

--- Você está me confundindo com capim, burro?

--- Posso ser seu burro? – E lhe mostrou o pau.

Ela quase desferiu um maigueri no saco.

Sacou um cigarro, deu meia volta, acendeu o tabaco, levou-o a boca.

Ele saiu voando a metros de distância quando Denise foi violentamente atingida na nuca pelo sujeito que a cantara.

Denise foi ao chão.

O sujeito estava fora de si:

--- O bitelo sempre deixa sua marca em alguém, vadia. De um jeito ou de outro.

E socou-a no rosto.

Pegou sua cabeça. Bateu-a contra o solo, levantou-a novamente. Desferiu um soco na boca de Denise. Um dente voou. Ela cuspiu e engoliu sangue. Sua cabeça bateu novamente de encontro ao solo.

Ao redor todos observavam sem fazer nada. Alguns riam.

Depois de algum tempo os seguranças chegaram.

Ela quis registrar queixa.

Os seguranças entreolharam-se.

Levaram-na para o coordenador.

Abelardo olhou-a sem demonstrar a mínima emoção. Depois a voz suave, o uso estudado do sotaque nordestino:

--- Ô mulher de Deus, mas tu és bem egoísta, não? Registrar queixa, é...

Não podemos deixar. Não vai pegar bem para a clínica. E Denise ficou detida por 15 dias.

Curtiu o ódio em silêncio. E com razão. A obrigação do sujeito seria denunciar o interno e não impor a ela uma detenção injusta. Mas isso era uma característica de Abelardo: a sacanagem e a exibição. Esse era o exemplo que o cara dava para internos doentes e dependentes numa clínica de reabilitação.

 

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