CRÔNICAS DO INSANATÓRIO–XI- DONA LIA E SEUS DOIS AMANTES

 

 

 

 

 

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Cícero observava a fisiologia daquela paixão a três. Era o observador ideal, ainda mais velho que Narciso, julgava o amor um tormento cujo torturador era a paixão.

Dava graças aos céus a cada dia que passava sem sentir nem um nem outro por ninguém. Isso o tornava isento de apreciações por demais subjetivas.

O que ele observou foi que Velho Narciso tinha necessidade de falar. Compartilhar suas maravilhosas ideias sobre si mesmo – exaltava-se muito bem. Era um poeta sensível, embora sem verso.

Era um contador de histórias talentoso, embora nunca tivesse terminado um conto.

Era um ser humano sensível – extremamente, no que tangia a si mesmo, mas com pouquíssima empatia com os demais.

Vivia dizendo que sua churrasqueira era a melhor e descreveu para Lia e Jovem Punck incontáveis vezes como fazer o melhor churrasco, o churrasco que ELE, Velho Narciso, fazia.

Vivia falando de si, ainda que indiretamente. Era uma necessidade sua. Maior que a necessidade de sexo.

Mas era um mestre em pleno domínio e exercício de seu campo na arte de exaltar a si mesmo através dos outros, e não raro, as pessoas que ironizava, sem entender o sutil sarcasmo com que foram tratadas, gostavam de suas exaltações.

Lia no começo gostava. Velho Narciso podia ser egocêntrico como ninguém, mas era carinhoso e gentil por natureza. Ela toleraria de bom grado a falação narcisística do amante, mas nunca seu pouco desejo sexual.

Ela não era assim.

Mais cheio de tesão e calado, Jovem Punk é que suava a camisa para deixar Lia saciada. Mas depois, o papo minguava. Ficavam entrelaçados um no outro, faziam alguma piada interna e logo a seguir ele pegava o violão e abria-se uma espécie de Sarau, onde ele cantava e tocava músicas que outras pessoas pediam para cantar.

Então obviamente, Jovem Punk era muito mais popular que Velho Narciso e fazia muito mais sexo com Lia do que ele.

No começo um complementava o outro. E a coisa funcionou as mil maravilhas. Porém com o tempo, Lia sentiu menos necessidade das auto exaltações poéticas de Velho Narciso do que do violão de Jovem Punk. Isso a deixou toda confusa...

Onde estava o sexo nessa equação?

Subitamente não sentia desejo por nenhum dos dois.

E quando disse isso para os seus amantes, eles se mostraram unidos para preservar a paz de Lia. Não haveria mais o triângulo amoroso do jeito que estava sendo até então. Continuariam juntos. Mas sem sexo. Só voltariam a esse tipo de relacionamento se Lia voltasse a sentir falta de transar.

Continuaram amigos lá dentro, pois se o desejo foi embora, ficou o bem-querer e o carinho cultivado pelos três. O que não era pouca coisa.

A união entre os três, já bela quando triângulo amoroso, ficou luminosa.

Havia algo mais do que apenas sexo e amizade ali. Havia um bem querer que se sublimara a si mesmo em doses generosas de paz e amizade.

Tão generosas que eram percebidas pelos outros internos, quando estavam com o trio, e convertidas em bem estar, ao menos para Cícero que a tudo observava sorrindo.

O sentimento que lá via podia não ser amor em sua plenitude, pois não era livre, apenas circunscrito a Luta Livre, mas lhe dava uma inexplicável e agradável vontade de ser jovem de novo...

 

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