CRÔNICAS DO INSANATÓRIO–VIII–A CRIPTOMOEDA DO TABACO–PARTE 2

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A economia do cigarro toma a dimensão do vício, da doença, incontrolável e faminta. Como o capitalismo...

Mas pior. Só sentindo na pele para saber definir com a devida precisão.

Estar lá dentro, sem um conhecido nem cigarro para puxar pelo rabo é excruciante.

E o vício do tabaco prevalece sobre a roupa, o doce, o mate, ou qualquer outra coisa que possam despertar o interesse de alguém disposto a trocar seu item por cinco cigarros. 3 a 5 maços. 1 a 5 pacotes.

A tabela varia e o valor é totalmente subjetivo. Depende de uma série de fatores: da instituição, da predisposição da troca por ambas as partes que vão realizar o negócio, da negociação que se segue após a abordagem inicial da transação, também conta o valor em reais do seu item de troca ou a utilidade dele para quem vai bancar o cigarro.

E o principal fator: a necessidade de fumar de quem está na classe E da economia do cigarro e mais que disposto a transformar seus bens em tabaco.

Essas coisas que viram itens de troca perdem o seu valor financeiro e ganham um valor “tabagístico” mínimo.

Assim de R$ 1000,00 uma roupa de marca semi nova pode valer um pacote de cigarros de R$100,00.

E, uma vez superada a situação miserável com que se chega numa instituição dessas, você pode tornar-se um sem-fumo novamente num piscar de olhos. Uma discussão qualquer com os administradores e “médicos” e pronto.

Abastecimento cortado.

Você vira um filante canhengue sem um puto cigarro no bolso de novo. Fácil fácil.

Devido as circunstâncias já conhecidas da Luta Livre, era complicado manter um bom relacionamento com os familiares.

Eles sempre estavam do lado dos filhos da puta.

Os raros parentes que acreditavam no que falava seu irmão ou filho ou sobrinho ou seja lá quem for o parente internado, logo tiravam-no de lá na miúda e no sapatinho.

Por isso eram esperados com ansiedade os pacotes que vinham da família.

E, quando terminada sua cota, não havia escapatória de uma dívida enquanto a família do interno não mandasse os malditos cigarros.

Mas a maioria prometia pagar e assim o fazia. Era uma questão de honrar sua palavra, uma espécie de ética interna. Quem não pagava sua dívida tornava-se desprezado pelos demais internos.

Mesmo que depois viesse a “enriquecer”, continuaria sempre com seu nome no ridículo até sanar seu débito.

Não era nada bom permanecer muito tempo na dívida.

Se havia uma certa tolerância com filantes, quando alguém tornava-se um devedor caía no total ridículo.

Cícero viu um sujeito perder o autorrespeito de tantas dívidas que acumulou.

Ninguém mais acreditava nele, e no final, ele mesmo passou a se achar ridículo e evitar ao máximo sair do quarto.

Engordou desproporcionadamente, a barriga caindo como se fosse um apêndice alienígena. Ganhou um apelido. Seu Barriga, ou Geléia, ou Molão, daí para Seu Broxão foi um pulo. O cara virou personagem de muitas anedotas onde seu nome era sinônimo de todos os arquétipos das piadas degradantes.

 

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