CRÔNICAS DO INSANATÓRIO– V– DO COTIDIANO DA CLÍNICA LUTA LIVRE E DE SEU BURACO NEGRO

                                         BLACK HOLE MAN

 

Ela me disse que não tinha nada. Que a mãe a internara para lhe dar uma lição. Não duvidei. O respeito que Denise inspirava lhe dava liderança e até os funcionários respeitavam sua inteligência e tornaram-se seus amigos eram um atestado significativo da veracidade de sua palavra.

Estava lá intermitentemente há dois anos.

Odiava o lugar com todas as suas forças. Usava de imaginação, inteligência, ódio e dor.

Um dia quando Cícero chorava porque iriam lhe dar um sossega leão overdosico de olanzapina, ela ficou furiosa com ele:

--- Fica quieto, Cícero. Aqui ninguém gosta de bebês – desse-lhe Denise, baixinho, no pé da orelha, com muita, muita raiva. E depois com um tom de voz mais alto como se quisesse aplicar um golpe sonoro bem no martelo do ouvido:

--- Aceita que dói menos.

Aquilo doeu mais que a olanzapina.

Deu-lhe um choque. Parou de chorar na hora. Pôde sentir a dor de Denise. Mas havia algo errado nesse sofrer...

Denise curtia sua dor

Era uma darkmetal inteligente.

E também treinava kravi mangá.

Ela sabia mexer com dor.

Ele não.

Os dois perceberam isso sub-repticiamente, e aceitaram inconscientemente um contrato onde um não interferiria no sentir a dor do outro. Ela com prazer, Cícero com náuseas.

Cícero achava o agressivo masoquismo de Denise, bem lá no fundo de seu inconsciente, um absurdo.

Mas ela, caso tenha percebido a condenação involuntária de Cícero, não se importou. Ou talvez sim, mas não ligou. De uma maneira ou outra sempre rolava um momento sadô nas conversas com Denise.

Quase nada nas conversas iniciais, mas o assunto ficou mais e mais profundo a medida em que se conheciam. Cada dia um pouco mais.

Na mesma noite do choro incontido de Cícero, quando ele acalmou-se e ficou lúcido, ela disse o que fazer se ele quisesse mesmo que os remédios não fizessem efeito.

--- Engula de boa e vá até o banheiro. Baixe as calças, acenda um cigarro, apague-o no saco. Daí quero ver qual remédio faz efeito. Eu faço sempre que tenho que tomar, daí você tem que ser ator e babar um pouco, um pouquinho. Só para satisfazer esses filhos da puta aí – aponta discretamente a cabeça para os seguranças

Novo choque. Mas negativo. Ficou com raiva dessa vez.

“Apagar um cigarro no saco? Moi? Nem a pau Juvenal! Ela que apague todos os cigarros que quiser na xana sofredora dela, eu é que não vou fazer da dor um placebo”

Cícero contraiu os olhos. Queria comunicar-lhe que aquilo lhe desagradara, ela que parasse com isso, cacete. Mandou um olhar de fúria contida, uma lâmina afiada em raiva, silêncio e fria.

 

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Ela nem tchum.

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