CRÔNICAS DO INSANATÓRIO – XIII - A DETENÇÃO

 

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Havia na Luta Livre um quiosque com sinuca, pebolim e mesa de baralho. Lá, sempre havia torneios valendo um doce ou outra bugiganga qualquer e eram tão concorridos quanto disputados. O pessoal levava aquilo a sério.

Venâncio esperava por Cícero lá.

Cícero deveria ter sacado que havia algo por trás daquela consulta peripatética, justamente neste quiosque.

Dr. Venâncio, tinha cara de bebê recém formado numa federal. Estava sempre de camisa e calça social por baixo do jaleco. Sempre cheirando perfume francês. Usava sapatos italianos. Sempre lustrosos e reluzentes.

Essa cuidadosa toillete reforçava seu aspecto infantil. Um bebê vaidoso sem saber o que caí bem nele, se social ou jaleco. Na dúvida vestia os dois.

E para um bipolar em euforia era simplesmente impossível crer num bebê que chamava a sinuca, o pebolim, o quiosque e o papo pesado que lá sempre rolava, inevitavelmente sobre drogas, de ressignificação.

Cícero contra-argumentava citando Eliade.

--- Não, doutor. Isso não é ressignificação, mas um rito. O quiosque, uma espécie de templo. Um lugar não só para contar histórias de drogas. Mas para revivê-las, criar um tempo mágico – olha o delírio - onde as narrativas servissem como as drogas de que eram proibidos de consumir. Ninguém conseguiria livrar-se do vício assim.

E Cícero continuava falando que isso não era nada adequado para uma clínica que não só tratava de doidões como ele, mas também de viciados barra pesada e violentos.

Argumentava que a cada noite eram levados ao típico ambiente onde se drogavam ou arrumavam droga. E Cícero concluiu:

--- A noite só rola papo de droga por lá.

--- Eles estão compartilhando suas fraquezas – contra atacava Venâncio.

--- E criando desejos.

--- Não é o que a ciência acha, meu caro.

--- Bem, a ciência não sabe nada de rituais. Eliade sim.

--- E o senhor então acha que eles estão numa espécie de ritual enquanto jogam sinuca e truco?

--- Bem não é tão simples assim...

--- Sim é simples, Cícero, preste atenção. Você está agitado demais.

Tem certeza de que não quer umas gotinhas para relaxar?

Foi só então que notou que suava. Que a garganta ardia. Que estava rouco Que os internos olhavam assustados para ele.

Que não falara, gritara, farto dessa semiótica aplicada às palavras e não á mente, desse eterno retorno aos vícios humanos que Venâncio defendia.

Gritara. Soara ameaçador. Deixara-se levar pela revolta. Os outros internos queixaram-se dele...

Estava fodido e mal pago. Caíra na arapuca.

Não pôde responder se queria as gotinhas ou não. Tudo foi rápido demais.

Um enfermeiro o agarrou pelos braços, outro abriu sua boca e apertou o embolo de uma seringa dentro dela, injetando diretamente na garganta uma boa dose de calmante.

Amoleceu de imediato.

Um outro enfermeiro entrou com uma maca, todos se juntaram, deitaram-no lá, afivelaram seus pulsos e pernas com correias de couro.

Antes de tudo ficar escuro pôde ouvir o sacana do Venâncio Bravo e inconformado, a cara de bebê acentuada ao máximo pela contrariedade, exatamente como uma criança mimada:

--- Como ele ousa questionar meus conhecimentos? Ganhei bolsas fodas com minhas pesquisas, Fapesp, Finep, uma porção delas...

Cícero mal conseguiu abrir a boca e articular a boca para dizer:

--- Dr babyface.

E apagou.

DETTION

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