DOZE DE JUNHO–ANDRÉ MELLAGI–PARTE FINAL

morumbi

Combinaram de se encontrar no shopping Eldorado às sete horas. Ela sugeriu o filme Uma Mulher para Dois e Felipe preferia Um Dia de Fúria. Concordaram em ver Proposta Indecente. Felipe viu que dava tempo de assistir ao jogo no Morumbi e se encontrar com Soraia depois. Não daria para comemorar a volta olímpica caso o Palmeiras ganhasse, mas beleza, outro dia veria de pertinho o troféu exposto no Parque Antártica. E, se perdesse, poderia vazar do estádio bem antes. 17 anos sem título, mas em 1993 namoraria a com a Soraia. Poucos acreditavam que o Palmeiras poderia reverter a situação. Na escola e no ônibus as piadas eram constantes. Não, o Palmeiras tinha que vencer. E a Soraia vai ser a minha namorada, rebelou-se Felipe contra todas as estatísticas.

Na sexta a correria foi para sair da escola e ir ao Palestra comprar o ingresso para a final. Os ingressos se esgotaram e a confusão na rua fez os guichês fecharem. Polícia na área, torcida se dispersava à procura de cambistas. Felipe encontrou arquibancada por 400 mil cruzeiros, um assalto. Fazer o quê? E ainda teria que desembolsar mais 360 mil para o cinema com a Soraia. Para compensar ia ter que trampar na pizzaria de entrega do tio a semana toda, carregando a lenha e anotando os pedidos pelo telefone.

Sábado, dia dos namorados. Felipe vestiu a camisa, beijou o brasão, depois a mãe. Ela, que já enrolava seu rosário na mão, deu um cartão telefônico com um gavião estampado para Felipe ligar assim que acabasse o jogo. Sabia que não adiantaria convencer o filho a assistir ao jogo em casa. Ir ao estádio era jogar junto com o time e a torcida. Felipe reclamou da foto do gavião no cartão, mas era o que tinha. Encontrou Peroba na entrada no estádio com outros amigos. Eles entraram, mas Felipe ficou. Seu cartão de ingresso não passava.

– Esse ingresso é da partida anterior. E não vai dar para mudar o resultado, respondeu ironicamente o atendente.

Felipe viu que o cartão do ingresso tinha a mesma aparência para as duas partidas da final, o que mudava era somente o código escondido na tarja magnética. O desespero fez com que Peroba crescesse para cima do atendente. Tá me estranhando são-paulino? Ele comprou comigo esse ingresso, vai criar problema? Os seguranças e policiais se aproximam, as torcidas da Mancha e da TUP reclamam do bloqueio. Deixa de ensebar aí, moleque! A multidão passou na frente engolindo Peroba e Felipe ficou para trás.


Desolado, caminhava solitário praguejando a má sorte. Talvez fosse zica do cartão telefônico de gavião. Sentou numa mureta e jogou longe o cartão, abaixando a cabeça para chorar. Logo um senhor vem e pergunta.

– Este cartão é seu?

Felipe levantou os olhos lacrimejados e viu um senhor com a camisa do Corinthians. Murmura um sim ao senhor, que se senta ao seu lado e pergunta o que aconteceu. Felipe explica o golpe que sofreu do cambista. A humilhação. E fala da menina que provavelmente não irá encontrar, pois tinha certeza que o ônibus vai enguiçar e ele ficará suspenso numa ponte da marginal Pinheiros para sempre.

– Eu adoraria que meu filho viesse ver este jogo, disse o senhor. Ele deve ter a sua idade. Já vimos muitos jogos juntos, mas infelizmente há três meses uma leucemia tirou ele de mim. Quis ver o jogo, pois sabia que se estivesse vivo ele estaria comigo, mas não aguentei entrar no estádio sozinho. Fui embora. E então achei você aqui, todo triste. Quer fazer uma troca? Eu fico com seu cartão telefônico e você fica com meu ingresso?

O rosto molhado de Felipe encarava o cartão de ingresso daquele corintiano. Felipe aceitou a troca. Ele veria o jogo. E aquele senhor alegrou um instante daquele rapaz que tinha a idade de seu filho.

– Mas não pense que vou torcer pro seu time, viu?, alertou o senhor enquanto Felipe voltava em disparada para o estádio.

Felipe subiu as arquibancadas, o jogo já havia começado. Palmeiras jogando de meias brancas? Vai dar certo isso? Roía as unhas, apertava as mãos na cabeça, urrava a cada bola que passava perto do gol de Ronaldo ou que caía em suas mãos. Edmundo desperdiçou uma chance incrível. O tempo passava como aumentasse mais um ano de espera pelo título. Enfim, Zinho aproveita um passe de Evair e marca. A torcida pula num grito de esperança. Intervalo. Impossível achar Peroba naquele alvoroço. Contentava-se com outros palmeirenses a comungar a fé de que um milagre estava para acontecer. Segundo tempo. Jogo tenso. Dois corintianos expulsos e Tonhão também. Mazinho cruza e Evair marca. Dois a zero. Outra explosão de um grito há quase 17 anos preso. Antes de terminar o jogo, Edílson marca o seu. Felipe não contém o choro abraçado com outros palmeirenses desconhecidos.

Palmeiras era campeão? Ainda não. O Palmeiras poderia marcar quatro, cinco, seis gols que o título não estava decidido. O regulamento do campeonato não considerava o saldo de gols das duas partidas da final e o jogo iria para a prorrogação.

5

Felipe viu que já era hora para sair do estádio para dar tempo de ver Soraia. Arriscava o destino contar outra piada para Felipe. O time que goleou, mas não levou. Se o adversário ganhasse a prorrogação, adeus título.

Foi embora do estádio xingando o regulamento mas com o vigor aflorado dos três gols que o Palmeiras fez no Corinthians. Pegou o ônibus até o shopping.

De repente ouve-se fogos pela cidade. Mais um gol. De quem? De quem? O cobrador no radinho de pilha confirma. O juiz marcou pênalti. Pra quem? Pra quem? Para o Palmeiras. Um silêncio no ônibus abafava as buzinas e o ronco do motor. Mais fogos pipocavam pela cidade. Foi gol? Foi. Do Evair.

O ônibus chega no ponto que Felipe desce. Um bar ao lado televisionava o jogo. Minutos finais. Segurando o resultado o Palmeiras seria campeão. E foi. Mais abraços com desconhecidos vestidos de verde no bar. Felipe viu que estava atrasado. Correu para dentro do shopping num misto de medo e de excitação.

Na bilheteria do cinema, a sessão já havia começado. Nenhum sinal de Soraia. Será que ela já entrou? Sozinha? Com alguém mais esperto que ele, que viu uma moça desacompanhada? Felipe sentou na escadaria do cinema do shopping cobrindo a cabeça com o gorro. Um título que ganhou, mas uma garota que perdeu.

– Posso me sentar ao seu lado?

Felipe levanta a cabeça. Era Soraia. Antes de responder, ele faz uma proposta, não como a do filme que não assistiram. Soraia aceita. Mais um beijo.

romantic kiss

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