DOZE DE JUNHO DE ANDRÉ MELLAGI–PARTE I

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André Mellagi nasceu em São Paulo, é psicólogo e escritor. Publicou “Bricabraque” em 2017, seu primeiro livro de contos pela editora Patuá. O conto “Doze de Junho” foi feito para o 2º Prêmio Palmeiras de Literatura, onde obteve terceiro lugar. Para este conto, ambientado na épica conquista do Campeonato Paulista de 1993, fez diversas pesquisas da cidade de São Paulo na década de 90 em jornais, e na memória de quem comemorou um título pela primeira vez.

---------DOZE DE JUNHO

André Mellagi

Quando chegou na sala de aula, Felipe foi recebido por grunhidos. Para ir até sua carteira, teve que atravessar um corredor de colegas guinchando em seu ouvido. Ao sentar, um porco assoprando velas de números 1 e 7 sobre um bolo com moscas voando ao redor estava desenhado na lousa. Já já a fila iria fazer maioridade. Logo o primeiro colocado de grupo nas duas primeiras fases, a melhor campanha nos últimos anos, patrocínio milionário que trouxe os melhores jogadores, para então morrer na praia na primeira partida da final do Paulistão. Felipe viu Soraia perto da janela tirando da mochila o livro de gramática, indiferente ao barulho animalesco e obsceno dos meninos. Seu time já era, porco de merda. Ontem comi feijoada ao som de viola. Chupa, porcada!

Os corintianos da sala encenavam o gol de Viola e esqueceram de Felipe. O professor chegou, apagou a lousa e todos se sentaram. Felipe olhou para Soraia, que levantou os olhos e para ele e torceu os lábios num aceno com pena. Ainda não a chamou para sair e, se demorar muito, aquele beijo que conseguiu um dia depois que o verdão fez quatro gols na Ferroviária, perdendo ainda um pênalti, não vai render mais nada. Aquele beijo quis dizer o quê? Amigos íntimos? Ficantes? Enrolados? Namorados? Naquele dia, pouco falaram enquanto apenas se gostavam. E aquele momento era o que Felipe tanto esperava, beijar a menina que queria. Não sabia que a parte mais difícil, era quando o beijo terminava e precisava voltar a si ao se desprender da boca de Soraia. O sorriso tímido dos dois não sacramentou qualquer definição ou compromisso. Tira esse capuz, Felipe! Presta atenção aqui, chamou de volta o professor. No intervalo Peroba foi falar com Felipe.

– E aí, Fezão. Não falou com a So ainda não?

– Não.

– Cê é mole, heim? Tá esperando outro pegar quando ela cagar pra você?

– Fica na sua, Peroba. Já tô de cabeça cheia. Desde ontem!

– Eu sei, meu. Foda. Se não fosse o Sérgio no gol, o bagulho iria zoar ainda

mais.

Felipe chegou em casa e viu a camisa do Palmeiras estendida no varal, como um uniforme à espera da batalha final. No seu quarto, o armorial dos diferentes brasões históricos dispostos na parede, começando com o antigo Palestra Itália. Mas nenhum pôster do elenco, desde quando Felipe nasceu, nenhuma conquista em torneio chegou a preencher a parede com o time vencedor.

Será que era uma boa hora para ligar para Soraia? Pelo telefone seria muito impessoal. Amanhã na escola todo mundo iria ver. Vai amarelar? Já ouvia o Peroba amolar no seu ouvido. Mas Felipe não tinha a cara de pau de Peroba, que já chegava junto e levava um fora em seguida. Voltava ainda tirando uma. Felipe pensou em acompanhar Soraia no metrô com a desculpa de ir visitar a avó na Vila Guilhermina. Poderia conversar até a estação Bresser, onde ela descia. Mas terça Felipe sabia que era o dia em que Soraia iria ter inglês, e na quarta ela fazia kumon. E se fosse encontrar com ela mais tarde? Esquece. Soraia não perdia um capítulo da novela Mulheres de Areia. Felipe aguardava a oportunidade que nunca vinha, a de estar a sós com ela.

O dia dos namorados estava para chegar e Felipe ainda não decidiu qual presente dar. Mas, afinal, estavam namorando? Felipe viu que o dia dos namorados era a chance de alcançar uma definição. Um convite para se encontrarem em pleno dia dos namorados, já mostrava todas as intenções de Felipe para Soraia. E caía bem na última partida da final do Paulistão, a chance do Palmeiras sair da desvantagem e da fila. Deixa de fita, Fezão, fala logo que quer namorar a mina!, ouvia o Peroba falar na sua cabeça. Decidiu que amanhã iria falar com Soraia na escola e pronto.

No intervalo da aula, teve que romper o círculo de amigas que rodeavam Soraia e ignorar o grupo de rapazes ao lado que se acotovelavam para assistir Felipe gaguejar. Percebeu os olhos interrogadores de Soraia e sentiu que preferia estar no lugar de Evair na hora de cobrar um pênalti. Enfim, chutou.

– Oi, Soraia. Posso falar com você?

– Pode.

– Pode vir aqui, um minuto?

Ela olha para as amigas que ensurdecem uma risada de aprovação com a mão na

boca.

– Vamos.

Gargalhadas, gritos excitados e assovios estouram quando os dois se afastam dos seus grupos. Felipe sente a vergonha queimar seu rosto. Enfim, acham um banco longe dos curiosos.

– Queria ver um filme com você no próximo sábado.

– Você queria?

– Eu quero. Topa?

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