OS AMORES CRIMINOSOS–POR DENTRO DA CABEÇA DE JÚLIA II

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Julia, por sua vez não era tão desinteressada e fria quanto ao assunto como demonstrava. Mas era uma sobrevivente. Não analisava nada muito profundamente, mas via a dor se espalhando nas ruas rapidamente. E malandragem virar crime. Isto sim a preocupava. Seu ganha pão. Se antes eram amadores talentosos, brincalhões e populares, agora eram criminosos comuns, entravam, apontavam a arma pro trouxa da vez, esvazie os bolsos, cara, ou vai levar bronca. Ou esvaziar um caixa. Mesmo princípio, outra coisa, mais difícil.
Tinham que invadir a loja, banco, super, seiláoque decidissem na hora, único momento legal de tudo isso, apontar a arma pro caixa, facilitar sua grana, embolsar tudo, empacotar, se mandar.
Mesma coisa valia para as casas que invadiam, mais triste até, porque sempre pareciam as mesmas casas que já haviam depenado antes, as mesmas coisas, TV, PC, Stereo, Videogame. Já tinha visto aquilo. E de novo e de novo e novo, dejavu forte do tipo que a gente pensa estar dormindo e tem que apertar os olhos, focar em algo real para saber que está acordada.
Roubar carros, necessidade. Então, tudo a mesma coisa. Desde que mataram o presidente, desde que matara o refém. Desde que matara algo nela que não sabia definir direito, mas que, isto sim era importante, raro e belo, não estava mais dentro dela. Nela, só tédio.
E Peter... Peter valia tudo. Onde estaria sem ele. Ou melhor, onde este cara estará agora. Já passou da uma da madrugada, ele disse que voltava rápido. Uma cerveja no bar, só prá dormir melhor, falou. Dormir é, sei sim.
Eu, sou eu quem ele quer que durma, Julia diz para si mesma, a ebulição do cíume começando a dominá-la.
Levanta-se, vai ao banheiro, lava o rosto olha-se no espelho. Sente-se feia, descuidada, chata. Reflexo do seu tédio. Claro que ele estava atrás de outra. Quem aguentaria ficar do lado de um trambolho destes que vc tá ficando, Julia.
Claro que o espelho dizia outra coisa, mas quem ouve espelhos? Muito menos uma mulher que precisa urgentemente descontar toneladas de frustrações, dúvidas e grilos que nem ela sabe que é possível existir em sua cabeça.
Quando finalmente deixa o espelho a sós, são duas da manhã. Daí é demais. Não dá prá aguentar. Alcança o vestido e o joga por cima do corpo. Pega a bolsa e o estojo de maquiagem, retoca o batom, calça o sapato.
Sai do quarto sem nem olhar o espelho. Está puta da cara com Peter. E sempre se achou maravilhosa quando brava.
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