AS CRÔNIAS FANTÁSTICAS DO IMPÉRIO ALMEIDA–A CRIOGENIA DE AFONSO

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Mas haviam os melhoramentos, os implantes de fibra de carbono nos ossos, os biochips de acesso aos servidores Cisco-Almeida globais, a acuidade dos sentidos, toda a força que a tecnologia podia alcançar. Alessandro poderia viver 100 anos em seu corpo de 75 anos. Resistência para se aguentar até a reversão, a cura, a fórmula, o antídoto para reverter a cirurgia de Alessandro. Uma técnica que Afonso levaria para a câmara criogênica.

E quando ressurgisse, Alessandro também ressurgiria.

Afonso o amava, mas também o invejava com todo o rancor de sua decrepitude indesejada. E seu amor por Alessandro tornara-se o espelho de seu passado. Artimanhas, jogadas calculadas, relacionamentos estudados. Ele foi o Alessandro que, hoje, domina a arte da matemática a ponto de prever a planta de uma mina de diamantes em Cullinan, Africa do Sul. Que traduziu Shakespeare para o francês para a esposa do Embaixador para desfrutar de sua filha. Que usara tudo isso para criar alianças para os Almeida e oportunidades sexuais que o jovem amava aproveitar. Como encararia o cessar fogo do sexo, as dores do caminhar? Que soluções buscaria?. Aliás, ele estaria de acordo com os planos do pai?

Nunca Afonso fez esta questão. Não havia espaço para ela. Caso Alessandro mostrasse alguma reação negativa, um sinal seria dado e o seu filho seria imediatamente anestesiado e conduzido para o setor de Plástica Avançada. Máscaras de tecido nanocelular seriam enxertados em seu corpo, suas vértebras seriam dobradas, mesmo com a elasticidade da fibra de carbono, sua coluna dobraria. Seus músculos seriam definhados, seu cérebro implementado com unidades de memória física e dados de inteligência e combate. Com a devida fisioterapia, é claro, já preparada, seu corpo atingiria resistência e força suficiente para aguentar mais um século, fora upgrades futuros em andamento.... Mas sexo... Além da ciência, seus melhores executivos haviam garantido. Homens de honra que escolhera para participar sigilosamente da experiência, mesmo assim, com uma vaga noção do que aconteceria fora de sua área técnica.

Não havia alternativa para Alessandro. Se alguém deveria governar o Império Almeida era ele.

Afonso, ironicamente a partir do departamento de cosméticos avançado, descobrira técnicas radicais – altamente experimentais - de cirurgia plástica e já havia planejado toda a operação que seu caçula sofreria para transformar-se numa cópia do pai, velho e alquebrado. Os efeitos práticos desta técnica nunca haviam sido testados antes. Não poderiam. Denunciariam o plano de Afonso. O risco era alto, mas calculado. Com o corpo de Alessandro, tudo estaria ok.

Mas com o vigor, a energia e a consciência aguçada de um jovem de 25 anos, praticamente concebido para desfrutar da inutilidade da vida e ser feliz... Bem, isto era outra coisa. Não havia o que fazer quanto aos hormônios e outras distrações da juventude. Uma alteração química mais radical poderia levar à exaustão física do paciente e à futura morte. Nada disso.

Melhor ser útil, segundo a natureza, pensou Afonso quando sacou seu rádio etérico e digitou uma holomensagem urgente para seu filho mais novo na empresa do concorrente, dizendo que descobrira uma importante solução para determinado problema logístico da metalurgia pesada dos Almeida. Finalizou a mensagem teclando o brasão dos Almeida. Como não havia nenhuma metalurgia Almeida com problema logístico, o selo do Lobo Esfomeado dos Almeida flutuando no ar deixaria claro que tratava-se de uma convocação cujo assunto era pertinente apenas a outro Almeida.

A imagem de Alessandro flutuou no ar, o jovem procurando sintonizar a holotransmissão. Afonso aproveitou o instante e armou o último detalhe de seu plano.

--- Um momento Supervisor... um item no protocolo precisa ser checado – Equipe Delta localize transmissão e fique pronta para agir.

--- Como quiser senhor – responderam o supervisor e uma voz no rádio etérico.....

--- Alessandro, posso ter sua atenção um minuto... Veja esses dados – Afonso insere um comando no teclado de sua cadeira de rodas.

O jovem que analisava os dados numa tela de computador vira-se para Afonso.

--- Pai, isto aqui é o que estou pensando?

--- Criogênia, Alessandro. E regeneração celular, quando for seu tempo.

--- O senhor vai nos abandonar?

--- Conto com você para não fazer isto.

--- Eu vou substituir você, pai?

--- Não, Alessandro, você terá que ser eu. – Afonso aperta um botão nos comandos de sua cadeira e roda e todos os arquivos relativos à cirugia plástica que Alessandro terá que fazer deslizam sob os olhos incrédulos do jovem. Lágrimas caem de seus olhos que ficam grandes e vermelhos. O jovem está em loop, procurando apoiar-se em algo para tomar uma decisão. Resolve ganhar tempo.

--- Porque eu, pai?

O velho fixa seus olhos nos do filho. O filho entende que o tempo acabou. Não entendeu nada, mas não gostou de nada também, então lhe devolve o olhar. Predadores calculando os pontos fracos dos inimigos, medindo forças, estudando estratégias, frios, duros, absolutamente sem sentimentos.as.

Afonso Soares de Almeida ri....

--- Está vendo, Alessandro. Você é o único que sustenta meu olhar.

--- Eu quero o poder, pai, não pense que não, mas assim.... Pai tenho 25 anos..

--- E nada mais que isso. Juventude, bah. Confusão e energia desperdiçados em porra nenhuma, isso é o que é a juventude. Apenas som e fúria e fluidos internos, nada mais. Mas não você. Você nunca foi jovem. Você sempre pensou grande, como gente grande, como eu. Filho, juntos, temos que manter o que amamos mais que a nós mesmos e a família. O Império, o jogo, a conquista! Ora, não seja cínico. Sei das tuas ambições, da gana que arde aí no seu peito para fazer o seu jogo. Tuas regras. Tuas conquistas. Pois bem. Eu lhe ofereço tudo. E a liberdade de fazer o que quiser com tudo. Do seu jeito, não do meu. Eu vou estar nos braços de morfeu, filho ahahahah.

--- Mas me cobra mais que a juventude, a identidade.

--- Que identidade você acha que vivi nos últimos 40 anos meu filho? Fui eu, ou fui o Império?

Alessandro fica em silêncio. Por um longo tempo. Depois balança a cabeça negativamente.

--- Pai, eu te amo, mas isso é doentio. Não posso fazer isso.

Afonso suspira. Engasga-se. Tosse.

Imediatamente dois seguranças saltam sobre Alessandro. A anestesia é aplicada. Ele luta, mas acaba apagando. Afonso se aproxima da holoimagem e lhe acaricia os cabelos. Beija-lhe a face.

Os pixéis tremem sob o contato de seus lábios úmidos e enrugados.

--- Não amamos as pessoas, meu filho. Amamos o Império. Acredite, não há outro jeito.

Dolorosamene levanta-se e certifica-se que o filho foi conduzido para a plástica.

Então acomoda-se na câmara criogênica.

--- Estou pronto, supervisor.

--- Quer dizer algo para registro, senhor?

--- Homens como eu não podem morrer supervisor, isso é tudo. Adeus...

Em segundos, o gás ultra congelado o induz a uma viagem sem sonhos rumo a inconsciência vazia e cheias de silêncios. “Uma coisa que nunca tive na vida”, pensa Afonso Soares de Almeida com um sorriso antes de penetrar num nada absoluto e agradável.


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