AS CRÔNICAS FANTÁSTICAS DO IMPÉRIO ALMEIDA - –O VELHO, O JOVEM E A DECREPITUDE

Logan (2017) CHARLES XAVIER

--- Senhor tudo está pronto.

Da cadeira de roda high-tech com mais comandos que uma cabine de avião, o homem velho olha para baixo. Ele não tem muito tempo de vida e sua aparência demonstra isso, a pele de um pálido esverdeado, magro e macilento. Os olhos fundos, porém, brilham ao ouvir aquelas palavras.

Sente-se orgulhoso. Está numa plataforma de observação de suas instalações de pesquisa química avançada. Caríssima. O que há de mais avançado, nada de poupar gastos com este departamento. Ele lhe era vital. E estava pronto para funcionar em seu favor.

No papel era apenas um departamento de estudo de baixas temperaturas. Porém, chamar criogenia de baixas temperaturas era uma piada fiscal. Servia para poupar impostos, justificar gastos, coisas pragmáticas do mundo financeiro que o conduzira a sua própria solução final, para citar aquele babaca do Hitler.

Hitlher, que imbecil. Preservasse os genes da nata que ele achava que era a tal raça ariana. Fortalecesse estes genes. Evoluísse. Na força e na raça. Como ele estava tentando agora...

Podia ver a atividade da sala ao lado pela câmera de bordo de sua cadeira. Lá recombinações genéticas humanas eram experimentadas com um único fim. Trazer juventude de volta. Em nível celular. Tudo na divisão de cosméticos avançados com tecnologia quântica patenteada. Desenvolvida pelo próprio filho caçula... Quando tinha 20 anos... Mas haverá tempo para ele. A mente do velho se concentra no momento. O filho terá sua hora e sua vez. E não será agradável.

Lá de baixo o supervisor acena um ok com a mão direita. O homem aponta eufórico um tubo com o contorno feito sob medida para um homem. Ele. Afonso Soares Almeida não morreria, como todos pensavam e queriam, mas seria congelado. Seu departamento de ciências cosméticas avançadas calculava que demoraria cerca de meio século para conseguir a restauração celular completa, quando então seria descongelado e regenerado. Almeida calculara 60. Sorriu para o supervisor e acenou com a cabeça.


REGENERAÇÃO

Faltava apenas executar a nomeação de seu substituto, sua imagem, o homem que tomaria as redes de todo o Imperio Almeida. E que jamais seria feliz por isso. Pois perderia a aparência jovial para tornar-se idêntico à Afonso Soares Almeida, seu sósia e chanceler.

Até que voltasse do sono do gelo....

Para esta tarefa escolhera o mais jovem de seus filhos. Sim, voltamos a falar dele, o que desenvolveu o departamento avançado de cosmética quântica. O mais criativo, questionador e mão na massa. O que causou um blackout na vizinhança ao gerar um quark com um acelerador de partículas construído com peças compradas dos lixões da cidade.

Um garoto ousado que entende de ciência o suficiente para ficar de olho no tempo de seu despertar e um homem que pensa, faz e age. Como ele, como ele... Que pena que seu filho caçula foi criado tão distante, num internato caro e liberal.... Tão pouco tempo passaram juntos... E agora Alessandro Soares Almeida, seu filho caçula teria que não só substituir o pai, mas como SER o próprio. Um velho alquebrado de 75 anos. Teria que sacrificar sua juventude.

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Juventude. A grande obsessão de Afonso. Perseguiu-a por tanto tempo, em tantos lugares, com tantos métodos e crenças e descrenças diferentes, adquirindo tantas coisas, industrias, informações, paixões, dissabores mil, que não viu seu próprio tempo passar.

Apenas acumulou conhecimento e a riqueza que vem do uso certo e amoral do conhecimento. Construiu um império industrial com favores e dividas vindas de analises frias e egoístas, mas sólidas. E agora, com sua decrepitude, seus caríssimos suportes de vida à mostra para quem quisesse ver, a credibilidade de seu imperio estava desmoronando sob os seus olhos.

Manchetes dos tabloides das bolsas falavam das fraquezas de suas pernas, da decrepitude de sua bexiga, no descontrole uretal que mancha reunião sim, reunião não, para a vergonha de Afonso, a cadeira presidencial.Os mercados futuros contavam com a quebra de sua holding, devido a dificuldade de repartir o império entre herdeiros “descuidados”. E estavam certos. Mesmo se nomeasse seu caçula como único herdeiro, as disputas internas abririam feridas cada vez maiores nos flancos do Império. Não. Ele devia viver. Caso contrário o Império Almeida não sobreviveria.

Estava morrendo, concluíram todos. E esperavam...

Esperavam sua morte, a cada mijada involuntária sua. Era o que via naqueles sorrisos de chacais engravatatos. Todos queriam dar uma mordida na sua fortuna, ou pior, levar um pedaço de seu império industrial, complexos de industrias, economias de pequenos países inteiros, tudo o que ele lutava para administrar e lucrar, um princípio, dinheiro gerar dinheiro, uma religião, algo sagrado indo parar nas mãos de quem mal podia pagar o ar que respirava. Seus mais perigosos rivais apostavam em sua falência, seus inimigos tramavam sua desgraça.

Mas as coisas do seu lado não eram melhores. Como seria homenageado na morte pelos seus? Seria uma salva de tiros de seus guardas costas e lágrimas de crocodilos de suas ex-mulheres, pretensos filhos e até os seus próprios, aqueles bastardos que nunca honraram o sangue do pai e sempre lhe torceram o nariz.

A exceção de um, o amado, o mais novo, que era quase como ele, inventando geringonças geniais na adolescência, trabalhando duro em outra empresa para fazer-se na vida por si mesmo, evitando ser chamado pelo sobrenome Almeida, subindo no conceito de sua empresa, as chances e oportunidades olhando para ele com um sorriso nos lábios.

Sim, como ele. A não ser pela juventude. Alessandro Soares Almeida tinha 25 anos e amava o pai. O único que o fazia com sinceridade. O que fazia questão de se amado por seus méritos, o que falava das realizações Almeida com um brilho nos olhos...

Não havia dúvidas, o império e a decrepitude eram dele.

Que deus o perdoasse, não podia ser de mais ninguém, que deus o perdoasse duplamente, pois Afonso sabia dos horrores que aguardavam Alessandro em sua falsa decrepitude.

HHNAHS


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