O GOLPE–i–O 171

maxresdefault (1)

 

Caí no 171 por cansaço.

O cara estava me deixando louco.

Não parava de ligar e passar áudios tentando apressar a negociação de um videogame Xbox último tipo p meu filho.

E fui gentil até o último momento.

Não queria que meu ladrão pensasse que estava desconfiando. Muito menos que sou policial.

Mas quando se trata de pagar menos sou como qualquer um. Quero levar vantagem. Mesmo sabendo que há algo de irregular na vantagem.

E eu sabia que tinha treta no negócio. Que era arriscado. Mas quem arrisca não petisca, não é mesmo? Principalmente se for petiscos para tu, teu filho e sua mulher, todos fanáticos por videogame,

Então decidi arriscar.

Mas achava que eram contrabandistas que burlaram a alfândega com armazéns especiais nos estados unidos e importavam em lotes provenientes de endereço americano e com isso deixavam de pagar várias tarifas alfandegarias, deixando o game no preço do mercado Daí eles TEM que entregar a mercadoria fria – não rastreada. Tem muito medo que esquentem e daí é urucubaca para eles, meio caminho andado para uma fria judicial.

Achei que era o caso.

Nívio não parava de insistir:

--- Seu Ciro, tenho que liberar o motoboy e o sistema não registrou seu pagamento.

“Foda-se o seu sistema, mandei dois pix para você”. Berrei. “Você está me xingando cara, tá desconfiado de mim? Te passei minha CNH – documento falso, cara. Te mandei vídeos do estabelecimento – fakes. Pena que só agora sacava isso.

Fiquei cego de desejo e agora batia medo. Ele estava prestes a desacatar minha autoridade e, pela primeira vez em 20 anos de serviço, estava com o cú na mão por me sentir impotente diante disso.

Apesar de policial estou a pouco meses de uma aposentadoria por invalidez. Tomei um balaço na perna, estou numa cadeira de rodas, com crises depressivas e ansiedade crônica, beirando a paranoia. Tomo antidepressivos para concertar isso. Fluxetina e Sertralina. Já disse q isso só me deixa mais pilhado, mas quem leva a sério a palavra de quem consideram paranoico?

E eu estava doidão mesmo. Talvez tenha saído dessa devido a Nívio, e essa é sua história.

Estava com uma imagem na cabeça.

A quadrilha de Nívio, integrante de uma facção criminosa poderosa cercava meu lar. Fortões com calibre 12 e mascaaras negras cobrindo a cabeça invadiam nossa casa e nos matavam a tiros.

Era uma imagem tão real como a paranoia que a gerou, e dava muito medo.

Estava de pelos eriçados, arrepios cobriam meu corpo. E se... Não, isso jamais aconteceria.

Desliguei o telefone.

Deixei passar o golpe.

Minha lucidez valia, com certeza mais que o videogame, mas como ficaria minha reputação? Era um policial durão e sujo em trajetória lenta ao posto de Tenente. Queria me aposentar nessa patente com pensão integral. Bastaria isso para sair da Vida.

É como chamamos essa vida de gato e rato, preto no branco, balas e conflitos.

A vida de policial é infernalmente dura.

Porque não tirar mais algum para compensar?

Assim pensava e agia.

Tomei o balaço a serviço, vou receber pensão integral. A porra de um salário de merda.

E nunca mais poderia batalhar algum outro meio p complementar minha renda. Outro meio lucrativo, se é que me entende...

O tiro arrancou meu joelho fora e perdi a perna esquerda.

Sou um policial cadeirante e em reabilitação, paranoico e deprimido. Lógico que sentira medo. E agora estava batendo a raiva de haver perdido dinheiro com aquele maldito Pix.

Até o banco avisara, mas achei que fosse um falso positivo, e, devido as minhas conexões barra pesada, normal para mim. Mandei bala. Ou melhor grana instantânea.

Pix é rápido e complicado para estornar.

Depende de um processo interno dos bancos. O meu banco forçando o banco do cara a devolver a grana. Posso ganhar tal procedimento burocrático dos infernos ou não. Demora praticamente um mês. No meu demorou. Perdi.

Daí já era, foi.

Só conseguiria reaver na porrada.

Foi o que tentei fazer.

Usei minhas conexões no submundo do crime organizado, numa das mais novas e violentas facções criminais brasileiras.

A FCA. Facção Criminosa Assumida.

Qual foi minha surpresa quando soube que foram justamente esses caras que haviam tentado me passar uma mercadoria quentíssima receptada às pressas, a polícia já farejando o Xbox.

E agora eles estão putos comigo.

E tirando uma:

“Quer reaver a grana, Cirinho meio homem? Vêm buscar. Armado.”

Entrando trêmulo numa mistura paranoica de desejo e medo desafiei.

“Estou numa cadeira de rodas, você sabe. E se vocês fizessem a gentileza de devolver o dinheiro? Armados. E só escolher dia e hora, filho da puta.

Que puta bravata falei para o cara.

Mas a paranoia e a depressão têm dessas coisas.

É quando você entende finalmente Guimarães Rosa quando ele diz: “Se alguém tem que morrer, que seja para melhorar”. Pois você se dá conta do merda que você é do quanto a humanidade melhoraria sem tua presença entre ela.

Então era redenção o que minha alma queria. E morrer claro. Só com a morte preencheria esse abismo no peito onde caio em moto perpétuo.

Bandido saca mais dessas coisas que gente normal e, ignorando a bravata topou.

“Tu tem bolas tira. É por isso que a gente fazia negócio. Pena que acabou. Quer morrer em serviço, né. Gosto disso. Tire sua família de casa dia 16 desse mês e boa. A gente pinta no seu sepulcro as 00:00. Terá teu duelo, cowboy.

Comentários

Postagens mais visitadas