CRÔNICAS DE AMIZADES–FINAL–PAULO SERGIO VULGO S.

  

 

 

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Da última vez que falei com S. foi indiretamente.

Num grupo de amigos de colégio do WhatsApp. Estava puto. Era uma exibição de cervejas, eu entrava e havia discussão. Política. Eu o único assumidamente “comunista”. Sou anarquista, mas tudo bem. Normal confundir. Principalmente pelo trouxa que se achava o rei do grupo.

Um sujeito que outrora foi meu amigo e que já era arrogante ao ponto de, em plena adolescência cheia de gorduras e espinhas, achar-se parecido com o Tom Cruise.

Coitado.... Enfim.... Coitado nada!

Por sua causa, saí do grupo brigado com todo mundo.

Putíssimo.

Tão fora de mim fiquei que esmaguei o celular contra a parede. Outra que esse cara me deve.

Havia perdido meus melhores amigos para aquele “pobre coitado” e sua cega arrogância.

Perdi o contato de S.

O grande articulador do grupo.

Desde então nunca mais nos encontramos.

Talvez esteja bravo comigo.

Mas creio que não.

S. é um cara bacana demais para ficar bravo por uma tolice destas.

Um faniquito de amigo.

Para ele é normal meus faniquitos.

Ele é o cara para quem sempre ligava numa emergência. Poucos minutos depois ele já estava lá.

Atento, curioso, preocupado e alerta.

Por esses tempos eu era casado, trabalhava na Prefeitura, ele Perito Policial.

E, mesmo de plantão, nunca falhou uma.

Devo muito a ele para ficarmos em silêncio por tanto tempo.

Como se estivéssemos brigados, quando não estamos.

Amigos de longa data tem comportamentos infantis.

Como o nosso.

Essa é uma tentativa de quebrar o gelo.

Voltar a falar com S. Que foi importante demais para mim.

Antes de Jahmed chegar ao grupo, erámos praticamente eu e ele e um ou outro gato pingado contra o mundo todo.

Durante a maior parte do Ginasial foi assim.

S. e eu tomando no rabo.

Porém ele era muito mais inteligente e aplicado que eu.

Os professores começaram a respeitá-lo tanto que beirava o temor.

E a classe toda seguia o exemplo.

Então sobrou para mim.

Era perseguido e linchado todo santo dia na saída da escola.

Fugia como podia.

Desesperado, uma vez mergulhei por sobre a escada, dei um ponto na calçada. Caí de ombros.

Graças aos ossos flexíveis de moleque e algum anjo perdido que por lá passeava não quebrei nada.

Mas ficou uma baita mancha roxa no braço.

E assim foi, até que S me deu um bom pedaço de galho de árvore.

Parecia uma longa maça.

“Toma. Se você não se defender eles vão continuar vindo. Cada vez mais deles...”

Ele sabia o que estava falando e fazendo.

Era frio com essas coisas.

Eu nunca fui.

Sempre admirei a violência de filmes e séries, mas nunca fui seu adepto na vida real.

A não ser aquela única vez.

Realmente havia mais deles da última vez em que tentaram me linchar.

Desde moleques da minha idade, até garotos púberes de 13, 14, 15 anos.

Quase me borrei.

Mas S. me empurrou.

Avancei, galho pesando na mão.

Fechei os olhos e rodei aquilo.

Com todas as minhas forças.

Girando como um dervixe infantil.

Felizmente só ouvia o assobio alto que aquele negócio fazia ao girar pelo ar.

Fiquei lá, girando, pelo que me pareceu um bom tempo.

Abri os olhos.

Não havia mais ninguém.

A corja de sacanas havia se pirulitado.

S. estava rindo.

“Você precisava ver a cara deles... Amarelaram total.”

Devido a S. não tenho traumas de Bullying.

A vida é irônica...

Não falo mais com S, mas vivo falando com o cara que liderava esses linchamentos...

E sinto muito sua falta, grande amigo.

Como não sentir.

Por trás da frieza de seus olhos, há um calor desmedido por quem lhe é caro, por quem vale sua estima.

Sou ou era um desses sortudos.

Já não sei, por favor esclareça minhas dúvidas. Releve-as ou as perdoe, mas fale comigo.

O silêncio é um açoite insuportável para pessoas como eu.

Sempre ansiosas por comunicar-se, por partilhar as coisas. Desde as mais imbecis desde as mais maravilhosas.

Como a lembrança de sentar-me ao seu lado durante todo o primário e o ginásio.

No colegial nos separaram.

Havíamos ficado poderosos demais desde que Jahmed revolucionara o sistema de castas de alunos.

Consideraram-nos líderes e nos separaram.

A vida é irônica.

Fui sentar ao lado de meu algoz.

Ele também era um exilado naquela classe infeliz.

Consolamo-nos. Ele me contou do motocross que fazia. Eu mostrei-lhe meus textos incipientes.

A tarde via meus amigos.

Nunca aprontamos tanto.

Eu, Jahmed e S. e os outros.

Juntos detonamos vários jogos.

Assistimos em primeira mão “O Exorcista”.

Ficamos tão assustados que chamamos meu pai em plena noite, mas tudo bem.

Éramos valentes, fazíamos guerra de chumbinho. Espingardas de pressão de verdade. Nada de Paintball para nós.

Um tiro meu acertou o ombro de S.

Ou foi um de Jahmed, não me lembro bem...

Mas sei que S. gargalhou.

E foi lindo aquilo...

Então, meu querido, o mais confiável de todos os amigos, encare isso como uma declaração.

Eu te amo, meu velho...

Por favor, volte a falar comigo...

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