CRÔNICAS DE AMIZADES–VI- SÍLVIA

 

 

                                                            silviapg

 

Conheci-a há mais de 40 anos. Minha amiga de infância. Ela se lembra das passagens mais marcantes de minha infância melhor que eu.

Conta, por exemplo, a história de uma cicatriz que tenho no braço.

Brincávamos eu e seu primo, um chato, admito, mas naqueles tempos sua chatice era bem-humorada e dávamos boas risadas juntos. Sempre estávamos colados um no outro por causa disso.

No dia da cicatriz, estávamos loucos por uma figurinha de Mil Bichos. Finalmente havia conseguido descolar a Orca, nosso animal favorito à época. Corríamos pra lá e prá cá com aquela maldita figurinha, tão excitados estávamos.

Bem só sei que perdi o controle da correria e dei com tudo numa porta de vidro. Sei lá porque, estiquei o braço e fui. Atravessei a porta. A porta quebrou inteira, vidro por toda a parte.

Um caco cortou meu braço.

Silvia que a tudo observava, discretamente, em cima do muro da casa em que morava, vizinha de meu amigo... Bem, ela simplesmente sorriu.

Estava tentando ler Asterix no quarto e nossa barulheira a atrapalhava.

Frenéticos por Futilidades, pensava.

E devia ter o que? Nove anos de idade.

Olha o nível de sua agudíssima inteligência precoce.

Fui operado, costurado, as feridas fechadas. A cicatriz formou um S.

“S de Sílvia” foi a primeira coisa que falei.

Então dei mais atenção para ela.

Descobri que gostava de quadrinhos como eu, embora diferentes.

Eu lia o que meu irmão comprava. Marvel e DC.

Ela lia o que a irmã dela comprava.

Asterix, Recruta Zero, Charlie Brown.

Outro nível.

Sempre.

Silvia parece que está um passo adiante de mim.

Ela sempre me deixa de queixo caído.

Houve um bom hiato de tempo até retomarmos a amizade.

E foi numa controvérsia sobre amor de amigo no Facebook que o fizemos

--- Quer dizer que se eu te disser, a você, meu amigo de infância que te amo, estarei me declarando a meu amante? Ah palavras... Ah pessoas...

Vocês são cruéis.

Então me amarrei naquela mulher inteligente e poética, passei a frequentar sua casa, conhecer sua família. Um sonho, fui adotado, adotei-os.

Passei a ama-la como deveria ter amado desde a infância e não ter dado atenção ao chato do seu primo.

Tornamo-nos cúmplices um do outro.

Contamos nossos mais íntimos segredos.

Os dela sempre muito mais ousados e inteligentes que os meus.

Silvia é uma canceriana que sabe usar as pinças para se defender.

E está sempre me ensinando de maneira terna, mas picante, como o fazer.

Também canceriano, sinto-me sem garras e indefeso perto dela.

Ela sempre consegue me arrancar uma lágrima de emoção.

E eu, sem me importar nem com palavras, nem pessoas, amo-a por isso.

Ela pode parecer cruel, mas é a crueldade divertida e ingênua de uma menininha.

Aquela mesma menininha que subiu encima do muro para me ver cortar o braço e sorriu.

Gosto dessa imagem, mesmo sendo a vítima e não o alvo de seu sorriso.

Gosto de vilões. Gosto de heróis.

Silvia é os dois.

Uma vilã ética e charmosa e ao mesmo tempo uma heroína, sempre lutando pelo que acredita ser certo.

Amo esse paradoxo.

Amo a profundidade de minha amiga.

Ela é abissal, mas lá no fundo de seu abismo, há luzes cujo brilho consola, conforta, nos põe em forma de novo.

E quando ela compartilha suas profundezas comigo, só consigo pensar:

“Deus, que mulher!”

Quando ela compartilha sua luz, bem, não há palavras para descrever o que sinto.

É algo além da paixão, além do amor, além dos sentimentos terrenos.

Silvia tem o dom de elevar meu espírito.

Não importa o que façamos, sempre sinto meu espírito repousar em sua presença.

E o que posso fazer senão amá-la?

Pois esse amor que nos une, é mais do que amor, um rito sagrado.

Que para sempre ficará cravado em meu coração.

E para sempre levarei tua lembrança, meu amor de infância, minha amada, minha mais próxima amiga....

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