CRÔNICAS DE AMIZADES–i–JAHMED ABDO

                                                   AMIZADE

Sempre achei que as relações humanas deveriam ser regidas pelo amor.

O amor ao próximo, principalmente pelo qual temos a honra e o deleite de chamar de amigo.

Amigo mesmo.

Claro que me dei mal incontáveis vezes pensando assim. Perdi dinheiro, bens, muitas transas e rolos, incontáveis pessoas e a lista não para de subir.

Mas o que se ganha fica para sempre e não tem preço.

Um verdadeiro amigo.

Esse que vou lhes apresentar, tenho admiração profunda.

É um exemplo de amor encarnado.

Encantador.

Descendência árabe, quando adolescente nos recebia com vasta delícias típicas.

Era bom treinar a fome, mesmo com a voracidade adolescente, quando ia se visitar Jhamed Abdo.

A mesa era fartíssima, não dávamos conta, e, mesmo quase mortos de tanto comer ainda jogávamos bola.

Ouvíamos música.

Jogávamos Atari.

Víamos filmes em VHS.

Uma noite, Jahmed, que também tocava bateria muito bem, encasquetou com o famigerado disco da Vaca, do Pink Floyd.

Chamou-me para o barato da noite: dublaria alto os uivos do vocalista enquanto ele detonaria sua batera, numa Jam Session caloura em homenagem à Roger Waters.

Topei na hora. Mal tinha ouvido o disco mas sabia do que ele estava falando: dar vazão àquela veia artística que nos habitava – e ainda habita – mas tanto sufocada por uma realidade conservadora que cobra atitudes conservadoras.

Então uivar ao som da bateria alucinante de Abdo era absolutamente libertador.

Instalamo-nos num começo de madrugada – devidamente alimentados. Abdo deu o tom nas caixas e mandamos ver.

Eu compunha sonoridades “mélodicas” aos berros tentando acompanhar o ritmo forte que Abdo impunha em suas baquetas.

Tudo amplificado a uns bons sei lá quantos mil Watts.

Os vizinhos não gostaram nada disso, claro.

4:00 da matina de um sábado e dois imbecis detonando seus ouvidos a milhão, quem gostaria?

A não ser nós que estávamos a pleno foda-se ligado.

E os vizinhos, realmente não gostaram nada disso. Registraram BO. Chamaram a Polícia.

A Polícia chegou. Estávamos limpos, mas delirantes de música.

A Polícia gostou. Curtiam um Floyd. Sorriram, deixaram barato:

--- Só não façam barulho, moleques!

E foram embora.

Continuamos nossa Jam Session até o sol despontar.

Rá, os vizinhos dançaram nessa.

Mas em outras, bem, nem tudo era um mar de rosas. Nossos adversários tiveram uma boa dose de vitórias.

Antes de conhecer Jahmed, eramos uns pobres cdfs, pré idade nerd da razão, sofrendo Bullyings mil sem sequer o saber.

Jahmed pôs fim àquilo.

Dois anos atrasado, não por falta de cérebro – que tinha e tem de sobra –, mas por simplesmente não ter encontrado sua tribo.

Em nós, principalmente em mim e em S, finalmente encontrara os amigos que tanto buscara, pagando com dois anos do fundamental a mais por isso.

Ele liderou o contra-ataque que soltamos nos playboys populares que tanto nos azucrinavam.

Montamos um pequeno time nas aulas da Educação Física. Ideia de Jahmed, organização de S. Minha execução: o Lagoinha Futebol Clube.

Só pra dar porrada. A vitória não importava. A perna quebrada do inimigo sim. Descíamos o cacete mesmo. Pesado.

Quanto mais Bullying sofríamos, mais porrada descíamos. Até que o Bulling acabou e acabamos por ficar bons naquilo. Futebol e Porrada.

Chegamos depois a contratar jogos com adversários mais poderosos nos campos do Camerotte, outro grande nerd que adorava futebol e truco.

Foi ele que nos apresentou o baralho, nos ensinou a jogar e zombar de nossas vítimas.

Então o futebol perdeu a importância para o baralho.

Jahmed adorou aquilo. Estava, bem como nós todos, cansados de futebol e porrada.

Simplesmente a coisa não tinha mais graça. Começamos a perder nos campos e ganhar no carteado, então acabamos por abandonar completamente um por outro. Naturalmente.

Jahmed tornou-se um entusiasta do truco.

Eu aderi à ideia de tirar um sarro da vítima.

Tornamo-nos a dupla ideal.

Ou ao menos eu achava isso. E queria jogar com Jahmed a qualquer custo.

Abdo era um jogador concorrido. Todos queriam jogar com ele. E com S, Abdo ganhava todas. Comigo quase todas.

Eu insistia em improvisar, blefar, zombar, todas as maneiras de atacar o psicológico de meu adversário para esconder o quão mal jogava.

Aquilo mais divertia Jahmed, quando precisava de algo para relaxar, do que me fazia o parceiro que acreditava que fosse.

Mas eu insistia e insistia e insistia.

Até que Jahmed topasse ser minha dupla.

Hoje,olhando para trás, percebo como devo ter sido chato.

Desculpe por isso, amigo, mas sua companhia me fazia falta.

Você sempre me deu segurança em sua amizade.

Carinho e ternura.

Incondicionalmente.

E se escrevo isso é por que quero que saiba que ainda sinto sua falta.

Sempre sentirei, Guerreiro Imortal.

Por sorte ouço sua voz no silêncio.

E isso me conforta ternamente.

Como o abraço teu que tanto tenho saudades...

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