DE SONHOS E HECATOMBES
Hoje visitei outra realidade em sonhos. Sonhei com um mundo onde se acabara, devido a uma misteriosa catástrofe, que ficou envolta em brumas em meus devaneios, ovos nem bacon.
Havia galinhas e porcos depois da catástrofe. Eu os vi mirrados e definhando, esqueletos em penas e gorduras. Escaras marcavam suas costas com a coluna vertebral explicitamente saltando da pele.
Mas porque não havia bacon nem ovos?
Creio que havia uma explicação real tão pavorosa que meu consciente a censurou quando abri os olhos aliviados por estar nessa quase trágica, mas não catastrófica realidade.
E creio que o inconsciente a censurou por um único motivo.
Era real a catástrofe.
Hecatombe braba demais para ser lembrada. Melhor viver esquecida para poder ter paz comigo mesmo e não enlouquecer de horror com o que houve nesse outro mundo que visitei.
Um bem parecido com o nosso.
Conflitos insolúveis borbulhando numa xícara de ganância e desdém pelo outro que se tornou a realidade. Tornamo-nos os piores predadores de nós mesmos.
E acima de nós, não há nada.
Um abstrato inimaginável que ousamos chamar Deus.
Ou Zeus, tanto faz.
Não vem a caso o que creio, vem ao caso que toda tragédia humana é só a notícia do dia.
Bomba nas redes sociais, para logo ser esquecida pela imagem de um fofo gato, ou um suave cachorro.
Não nos importamos tanto como deveríamos em amar o próximo.
Amamos o fofo, o belo, o que enaltece o espírito, o intelectual o divertido.
Mas tudo o que amamos tem o filtro do próximo em qualquer imagem.
E o quanto conhecemos o autor de uma foto?
Geralmente, pouco, muito pouco, quase nada.
Como podemos nos amar se preferimos amar somente o que nos é mais aprazível?
Somos feios, eretos, sempre calculando perdas e danos e o quanto lucramos no mês, quando deveríamos contemplar os horizontes que nos foram tão gentilmente concedidos pela mãe natureza.
Sim, somos horríveis.
Não merecemos mais ser humanos.
Tornamo-nos caricaturas de nós mesmos, impossíveis de se amar, apenas, como se diz por aí, desfrutar.
Mas esse desfrute de nós mesmos pelo nosso e exclusivo prazer e não o do próximo é que reside o seu esgotamento.
A morte do erótico que tanto prega Byu Chul Han.
Concordo com ele.
Geralmente fazemos nosso juízo de valores por comparação. Gostamos de nós porque alguém é pior do que nós. Comparamos as pessoas conosco e assim as julgamos.
Não julgais para nós não está com nada.
Julgamos o tempo todo.
Quem não julga que levante a mão.
Eu não levanto.
Nem ninguém que atingiu o Nirvana.
Não desfrutai do próximo seria o mandamento adequado para a época atual.
Não usá-lo como produto como o fazem as grandes corporações de que tanto reclamamos de possuir “apenas” 99,8% da renda mundial.
Não fazei do próximo um produto para exposição, compra, usufruto e descarte. Ou troca-lo por um cão.
Amo animais, mas ouso afirmar que é necessário amar mais a nós mesmos enquanto outro, diferente, distante. Mas ainda assim o Próximo.
Nessa equação, reside nosso próprio destino. Caso continuemos este flagelo contra o próximo virá qualquer hecatombe, pois até que ponto o ser humano suporta tamanho flagelo devido apenas a suas singularidades serem diferentes da TUA.
Tiremos os olhos do umbigo e concedamo-nos o direito de dar uma boa olhada no próximo antes de usufrui-lo, consumir sua energia, rir desdenhosamente de sua fraqueza.
Esse é o teorema exato para qualquer hecatombe acontecer.
A pior delas.
Pois quando discordamos violentamente do outro, manifestamos nossa estupidez.
E, não raro, sangue é derramado.
Guerras são travadas.
E o que é a guerra senão a estupidez humana institucionalizada e a pior hecatombe que poderia nos acontecer?
Neste mundo e no dos meus sonhos...
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Mande fumo pro Curupira