AS ÚLTIMAS HORAS DE CHARLES SIMÕES–ARQUITETURA DE UM FIM PREMEDITADO

scanner cronemberg

Fim, era necessário dar um fim naquilo, pensava enquanto interrompia com uma rajada psíquica o transe.

A cabeça da neuropsicológa cibernética explodiu.

Ele corria, agora.

Disparava em fuga da sala da psicóloga androide toda estourada pela força de seu pensamento. Roubara-lhe o avental e os olhos. Precisaria deles para o scanner de retina das portas do instituto. Finalmente a portaria, disfarçou, passou pela androsecretária cibernetica.

O scanner zumbiu diante do macabro olho, as pupilas dilatadas pelo simulacro androide de morte. O laser reconheceu a íris da androide. A porta se abriu.

Daí, as ruas.

Finalmente...

Arrebentara a metapsicológa cibernética com sua cabeça. Sua mente. A força do pensamento. Provocara um blackout no seu bairro quando Júlia morreu. Fora internado. Pesquisado. Violado.

Que ódio daquela sacana robô por fazê-lo lembrar de tudo.

Explodira-a com seu pensamento, como se marretasse um melão.

Fluidos de androide manchavam seu rosto, mas, nas ruas, nas vielas sujismundas onde nascera, ninguém se importaria.

Então era lá que iria enfrentar sua criatura, sua doença, seu demônio. Sua mente.

No seu bairro, onde nascera, sua casa, sua mente, seu sonho. Se morrer, morres comigo, não mais, nem menos.

O silêncio interior que se seguiu ao raciocínio em plena fuga, deu-lhe confiança.

Bateu uma bolsa enquanto corria, grana na carteira, ninguém viu seu rosto, ao bairro, ao lar, aos sonhos, ao último pesadelo.

Pois Charles, fosse como fosse, não pretendia voltar do sono. Nunca mais.

Se ao menos pudesse ver a filha uma vez mais...

Nem que para isso fosse preciso morrer de terror noturno.

Só assim viveria eternamente em nome do senhor, amém, aleluia, hosana nas alturas.

Glóoooria, meu doce Jesus!”

E quando viu, estava comprando os metaopiacéos sintéticos emuladores de sonhos que tanto falavam os jovens viciados do bairro.

‘Coisa boa, careta, vai fundo lá, tiozão” diziam.

E ele iria.

Para isto estava lá, deitado em sonho induzido, na viela, na esquina da rua onde nascera, as costas apoiadas nos destroços do que fora sua antiga casa.

Ouvindo o elevador do hotel ao lado.

Esperando.

                    image

Comentários

Postagens mais visitadas