AS ÚLTIMAS HORAS DE CHARLES SIMÕES

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Era um poço negro em que pensava antes de dormir. Um templo. Uma cama de pedra ao lado das águas represadas. Um lugar sagrado para dormir toda noite. E não acordar no dia seguinte, nem no seguinte. Não acordar em absoluto.

Mas o primeiro sol o despertava sempre. Insinuando-se por baixo da fresta de sua porta.

Queria acordar, pois a intimidade de seu Eu inconsciente, ou o que raio que fosse que o deixava paralisado diante de éons de horror e trevas, não o deixava sequer respirar, quanto mais abrir os olhos.

Mas agora era tarde. Partira para o desafio final. Luz ou Trevas, um dos dois ou nenhum, para ele, já estava no tanto faz.

Qual o peso de uma sombra...

Pois havia apenas sombras circulando por seu peito, no ritmo cauteloso e frágil do elevador que subia e descia, podia ouvir no transe de ópio sintético, no hotel que escolhera para passar a noite e encarar a fundo o seu próprio medo, podia ouvir o fim tão aguardado finalmente chegando.

Queria algo tão simples e tão impossível.

Uma simples noite de sono.

Sem sonhos.

Algo que não conhecia há décadas.

Esquecera-se de dormir, enquanto seus amigos, sua família e finalmente sua sanidade o abandonaram.

Para ele, essa era A noite.

Longe de tudo e de todos, sem remédios para aliviar-se das imagens lúbricas e bizarras que assolavam sua alma, os olhos, como que voltados para os seus piores desejos.

O peso das sombras, a ausência de luz, cor, o zero, pressionavam seu corpo como se um ser titânico tivesse resolvido aterrissar em seu peito.

A glote fechava e a baba lhe saía descontrolada.

Os olhos moviam-se desesperados, chegava a doer.

Mas a paralisia era total.

Fora o globo ocular, nenhum músculo, nenhum nervo respondia aos seus comandos desesperados e conscientes.

E o sonho continuava, alimentado pelo sentimento de raiva e impotência de Charles diante si mesmo.

“Acorda Bozo Seco, seu palhaço imbecil. Acorda Charles. Levanta, Simões.

ACORDE-ME DEUS POR FAVOR.

ACORDA-ME MEU DOCE JESUS…

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