AS ÚLTIMAS HORAS DE CHARLES SIMÕES–PROVAS IRREFUTÁVEIS


PESADELO

Mas a reza só fazia apertar o peso no peito, espalhando-se em estalos de elevadores subconscientes, quase como se as trevas sorrissem, rissem mesmo, ouvindo o conflito entre a raiva e a auto-piedade que tomava conta de Charles.

O conflito de sentimentos gerado pela imobilidade, naquele indefinido horário da madrugada, ou do dia, ou poente, mesmo noite, quem dormindo um não sonho poderia saber?

Mas isso iria acabar aquela noite.

Decidira que não podia continuar com aquilo.

Aos 55 anos, achara que já aguentara o bastante dessa vida. Vivera tudo. Perdera a família, mas, em compensação, havia escrito um livro mórbido a respeito de um tema que o fascinava.

Frases de banheiro.

Ninguém o publicara.

Acharam bizarra demais sua atitude.

Talvez estivessem certos.

Quem mais perderia tanto tempo anotando por mais vezes que sua memória ousaria lembrar os palavrões mais chulos de sua língua materna.

Sorria, ria, adorava esse momento.

Mas chegara a conclusão que seu prazer, não era natural. Algo negro o compelia aos banheiros sórdidos, à fauna lá encontrada, à interação, ao saber o porquê um sujeito manifestava-se dessa forma tão anônima que chegava a ser imoral.

Absolutamente fascinante.

Assim também o definira o psiquiatra.

Fascinante.

Mas não ele, Charles, ou ao menos seu outro eu, já não sabia quem sussurrava no escuro, se era ele ou...

As Trevas.

Pois não tinha mais dúvidas que, nos banheiros e latrinas, nos vasos comunicantes de sua mente, havia um canal especialmente feito para a escuridão que habitava o próprio inferno antes da queda.

O mal antigo, em troca da paralisia, liberava sua mente. Seus sonhos, o sabia, tinham consequências concretas no mundo real.

E podia provar.

Bastava ver quando sonhara com a estranha e enorme boca que ao engolir seu corpo, rasgara-o pela metade com um estranho, pontudo e colossal dente de basalto. Para depois reconstruí-lo com mordidinhas de máquina de costura, uma mordida aguda, quase sem dor, mas sempre com um choque desagradável que reverberava em seus dentes.

Mas, o pior era o barulho. A máquina emitia gemidos, como se um casal estivesse dentro dela em pleno orgasmo.

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