AS ÚLTIMAS HORAS DE CHARLES SIMÕES–A TERAPIA

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Um som que ia tornando-se mais e mais alto, até o limite do suportável, quando, sem mais, desapareceu.

E ele viu-se costurado como se fosse um quadro cubista.

Seu braço estava enfiado numa orelha, a perna noutra, o outro braço substituía a perna que estava no ouvido. As costas eram o tórax e sua cabeça...

Não via as coisas do ângulo correto, via-as de baixo para cima... no chão.

Quando conseguiu focar direito e acostumar-se com a bizarrice onírica pode perceber.

Um pé estava no lugar de sua cabeça.

E sua cabeça, ela podia sentir o peso de seu corpo, como se nele estivesse contido toda a inércia da gravidade.

Tentou sacudir-se. Inútil. Virara uma estátua. Paralisado. Aterrorizado.

Incapaz de definir as sensações nervosas que invadiam seu corpo.

Temia que fossem sinônimos elétricos de dor. Temia esses estranhos estímulos que se desenhavam eletricamente em seus nervos inativos, como se descargas de luz desenhassem seu corpo na escuridão de sua mente.

Dor.

Insuportável dor.

Morreria na hora, caso acordasse.

Então não o fazia.

Continuava fingindo que dormia em pleno sonho. E sentia o peso da própria sombra vergar uma coluna impossível feita de abdômen pescoço e tórax em sobreposições e enxertos de órgãos e tecidos nervosos.

Expostos ao árido vácuo de seus sonhos.

Onde sabia, algo primal, anterior aos deuses mais antigos habitava.

Algo que seu psiquiatra teimava em afirmar que era sua voz imaginária, ou seu xamã, que afirmava que não deveria transpor a caverna ao ouvir essa voz, ou mesmo sua terapeuta cibernética....

--- Conte-me sobre as vozes. As do sonho, ela dizia, murmurando com sua boca carnuda entre as vibrações de um pêndulo hipnótico. Daí, o transe.

Então Charles contava:

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