UMA NOITE NA URCA COM GETÚLIO–V-A CHEGADA AO CASSINO

 

 

800px-Cassino_da_Urca_by_Diego_Baravelli

No Cassino, a cortina de espelhos por baixo do palco principal, refletia uma jovem bonita, olhos grandes, olhar decidido, pinta na bochecha esquerda, balançando a cabeça, jogando os cabelos para um lado e para outro, os braços balançando acima de sua cabeça.

Era a imagem de Marlene que se apresentava no palco.

No segundo palco, acompanhava a cantora um pianista que dedilhava suavemente um piano de cauda.

Os casais lotavam a pista.

Do lobby da entrada, o interior do Cassino da Urca era uma visão tentadora.

Mas Getúlio que acaba de entregar sobretudo e chapéu à atendente, é seduzido pela visão prazerosa de um reservado onde todos os convidados de Andrade estavam.

Conversavam animadamente.

Carmem, que fora sua vizinha no Flamengo e cuja viagem aos EUA ele secretamente apoiara, estava reclamando de sua nova agrura, os críticos brasileiros não perdoavam os figurinos escandalosos de Adeus Havana, último filme de Carmem nos States.

Realmente era cheio de bananas, mas que culpa tinha ela? Até ele, Getúlio, podia perceber que havia sido uma produção infeliz. Mas jogar toda a culpa nos ombros da pobre atriz era uma sacanagem formidável da infeliz imprensa brasileira.

Getúlio podia ver o rosto de Carmem contraído pela dor, mesmo sorrindo como estava para os outros. Ele conhecia aquelas rugas, ele sabia o que era sorrir enquanto chorava-se por dentro.

Fora assim no último ano...

Então chacoalhou a cabeça.

Estava lá para se livrar do último ano, não para relembra-lo.

Seu olhar encontrou Almirante que enlaçava Carmem e a consolava. A grande figura do cantor, apresentador, criador de programas de rádio e historiador da música brasileira pairava paternalmente sobre a pequena notável.

Como fez com Noel Rosa nos saudosos anos da Pavuna.

Vargas desconfiava que Almirante era uma alma que amava a amizade, pois fazia com sua melhor amiga, Carmem, o que fizera com Noel com seu vício com a bebida

Estava aconselhando-a a parar com o ciclo perigoso dos barbitúricos, tão badalado em Hollywood e que Carmem aderira. Nembutal para dormir. Benzedrina para acordar.

Esse pessoal do rádio eram amigos de verdade.

“Veja o Andrade, o que fez para me alegrar, sinta o amor com que Casé conta suas peripécias inovadoras, envolva-se com a ternura de Almirante que tentou salvar Noel Rosa e agora tenta fazer o mesmo com Carmem.

pensou Vargas e olhou para o último homem que compunha a mesa.

Ademar Casé. De todos o que mais admirava. Fora Casé que os ensinara o que era radio de verdade, desbancando o formato tedioso de Roquete Pinto e dando ao rádio a mesma dinâmica das melhores estações internacionais. ”Casé. O visionário, o homem de negócios, o self made man, o gênio.” Pensava Vargas.

Ademar Casé olhava diretamente para Getúlio com um misto de temor e respeito.

Vargas sorriu, ergueu os braços e os abaixou numa reverência.

Casé ri e, por sua vez, bateu continência para Getúlio. “As suas ordens, meu General!”

Vargas sorrira de verdade, sem forçar a piada que saíra espontaneamente. Estava entre amigos, não era o presidente. Podia soltar seu fardo, esquecer quem era e suas perdas por algumas horas.

Horas diabos, ele tinha o direito de aproveitar um pouco a vida.

Sofrera muito desde 1943 até agora.

Um ano no mais puro luto.

Agora percebia.

Sofrendo e governando.

Governando e sofrendo.

Um mártir com poder.

E agora um presidente em fuga. Pois que fosse.

E assim pensando, Getúlio adentrou no recinto.

Imediatamente todos ficaram de pé.

--- Sentem-se... Essa noite sou igual a vocês. Não, minto. Sou menor que vocês. Portanto sentem-se e bebamos.

Alcança um copo senta-se

Brindam. Bebem. No palco Marlene canta e se move sem parar. Parece uma possuída.

Uma bonita, muito bonita possuída.

Quando vê Getúlio lhe acena.

Getúlio leva sua taça de champanhe aos lábios.

E finalmente o líquido da vida parece doce ao Presidente.

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