UMA NOITE NA URCA COM GETÚLIO– I - O PÂNICO DO PRESIDENTE
1944. Vargas está deprimido. Está em pânico. Não consegue se mover enquanto milhares de pessoas aclamam seu nome em frente ao Guanabara.
GE-TÚ-LIO
GE-TÚ-LIO
GE-TÚ-LIO
O Presidente permanece sentado, escritório de cortinas cerradas em semi escuridão. Na cadeira, Getúlio está em pose desamparada. A ampla testa tombada sobre o peito num gesto atípico de derrota que assusta toda a família.
Há um ano atrás morria nesta data Getulinho, seu caçula e xodó. Pouco depois, cerca de um mês, o pai também falecia. Getúlio recorda quando, ao sair do velório para o enterro, ele deteve o corpo de seu filho e pediu para ficar alguns segundos a sós.
Os segundos duraram 15 minutos e Getúlio, tanta dor sentiu, teve que imaginar um paraíso espiritual possível para seguir a vida.
A experiência quase religiosa dera forças a um homem que não tinha fé alguma a não ser em si mesmo.
E agora quedava extático, impotente, no escritório a meia luz enquanto milhares de pessoas entoam:
GE-TÚ-LIO
GE-TÚ-LIO
GE-TÚ-LIO
Um dos maiores estadistas e o maior ditador que o país já teve sente o fel da morte em sua boca.
O luto e sua escuridão.
O luto e ausência do ser amado.
O luto e a vida confundiam-se, não havia diferença entre o brilho e a doçura da última e o fel e as trevas do primeiro. Tudo era cinza e amargura no peito de Getúlio. Um gosto de ferro preenchia sua boca impedindo o providencial alívio que um Corona Cubano lhe traria.
A sensação de morte apertava sua garganta. Fazia-o sufocar. Deixava-o mudo.
Impossível sair para satisfazer, aplacar e dispersar a multidão.
--- Patrão! – grita Alzirinha, sua filha do meio – o senhor tem que sair deste estado, meu pai. – ajoelha-se – O que se passa? É Getulinho e vovô de novo? Porque não foi ao microfone ainda, meu Patrão? Olha que estamos por um triz com a constituinte e esse povo aí só vai sossegar com a sua presença, Patrão.
Alzirinha vai afagar a cabeça do pai quando vê que ele tenta esconder algo embaixo da coxa. Foca o olhar no objeto escondido. Uma arma. Instintivamente ela afasta-se do pai.
GE-TU-LIO
GE-TU-LIO
GE-TU-LIO
TRIIIIIIIMMMMMMMM – TRIMMMMM TRIMMMMMM – TRIMMMMMMM!
Um telefone vermelho toca.
Alzirinha pula de susto.
“O telefone da Rádio Nacional”, pensa Alzirinha. Atende. É o diretor Gilberto Andrade, um leal escudeiro do pai, um homem de total e absoluta confiança.
Tanta que ela, acostumada a guardar seus sentimentos em prol do governo do pai, disciplinada, rija e fria, permitiu-se contar tudo em prantos de desespero
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Mande fumo pro Curupira