UMA NOITE NA URCA COM GETULIO–FINAL- UMA EPIFANIA

 

 

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Os outros calam-se. Carmem Miranda já não é a mesma pequena notável do começo da década de 30. Já se encontra na estrada para o que Chateaubriand chamou de obsolescência. E futura extinção.

A ideia de uma cadeia nacional transmitindo Marlene para ouvintes da Nacional e do Programa do Casé é sub-repticiamente abandonada com a mesma facilidade com que surgiu.

E o constrangimento atinge Almirante, Andrade e Casé.

Getúlio, no entanto não perde o rebolado:

--- Nunca Carmem, nunca! – mas, a pequena notável, para ele, era insignificante perto da inimitável performance de Marlene.

E Getúlio pode imaginar seu futuro dali a dez anos, sob a tutela da Rádio Nacional.

Carmem Miranda entendeu o climão. Pega uma garrafa de champanhe de um balde de gelo sobre a mesa com um longo, baixo e não percebido suspiro de tristeza resignada disfarçado de sorriso:

--- Então vamos comemorar! – grita Carmem Miranda com uma garrafa de champanhe francesa na mão.

Estoura a garrafa:

POW

Getúlio estremece.

Leva as mãos ao peito, sente gosto de sangue na boca, olha para Marlene, delira: ela está vestida como rainha, buquê do rosas brancas aconchegado ao seio, microfone à sua frente, sorrindo e balançando os braços saudando uma enorme multidão que lota o auditório da Nacional.

Uma autêntica rainha do rádio, pulando e cantando e movendo-se e distribuindo rosas pela platéia de um jeito que só ela sabe fazer.

Olha para seu peito. Um buraco de bala. Na ferida no do tiro, O coração sangrando.

Pulsando mais e mais devagar.

Até parar...

E, naquele momento, o delírio cessa deixando em Getúlio o sabor de uma epifania, pois, exatamente como dali a dez anos, no momento do tiro fatal, toda a sua vida lhe passou a mente, arrancando-lhe um sorriso de satisfação.

Pois entende que seu passado de conquistas e derrotas, seu presente sofrido e o seu futuro sombrio previsto por Chateaubriand, são únicos e singulares. E se morresse agora, ou em qualquer momento do futuro ou do passado, extinto, obsoleto, esquecido, morto, apagado da memória nacional pela qual tanto brigou, mesmo assim, sua vida não terá sido em vão.

Afinal ele é humano...

“Dos muy buenos!

Ele ri diante desse pensamento. Solta seu riso rouco de satisfação. Uma gargalhada tão contagiante, que, mesmo sem nada entender, acaba com o constrangimento dos amigos.

Eles juntam-se à Getúlio de maneira honesta e sincera, seus verdadeiros companheiros.

E Vargas teve certeza que quando a hora chegasse, ele a honraria em paz.

                                                      FIM

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