UMA NOITE NA URCA COM GETÚLIO– IV - MEDIDAS EXTREMAS E O TRAJETO ATÉ O CASSINO
Getúlio ia resistir à convocação para a diversão. Mas houve um incidente que desarmou a resistência do poderoso deprimido.
Assim que Andrade acabou de falar, Getúlio, num gesto rápido, sacou a arma debaixo da coxa e a apontou para o seu mais leal funcionário.
Era um 38 com cabo de madrepérolas.
Ao perceber o que fizera, abalado, Vargas deixou a arma cair no chão.
Alzirinha mais do que depressa a apanhou. Voltou-se para o pai apontando-a para sua cabeça.
--- Patrão. O senhor vai ao cassino com Andrade nem que eu tenha que ir atrás apontando esta arma para sua cabeça.
Diante disso, não foi difícil convencer um suspiroso e contrariado Getúlio a abandonar o mofo de seu escritório, fazer uma caprichada toillete e sair para cumprimentar a noite carioca e seus prazeres.
Enquanto a multidão entoava seu brado de guerra:
GE-TÚ-LIO
GE-TÚ-LIO
GE-TÚ-LIO
Getúlio e Andrade saíam pelos fundos do Guanabara, por uma saída só usada para entradas e saídas secretas. Logo depois adentraram num carro oficial disfarçado e ganharam as ruas incógnitos.
Getúlio usava terno preto, um sobretudo com as golas levantadas até o queixo, chapéu enterrado na calva e permanecia taciturno e calado.
Andrade não se cansava de falar sobre seus convidados, sobre como eram grandes as expectativas para o número de Marlene e se seria minimamente possível o chefe conversar com ela, facilitar uma possível contratação.
Mas Getúlio não ouvia nada. Seus sentidos voltavam-se para a cidade a sua volta. Sentia seu pânico ceder, a depressão relaxar.
A beleza do Rio era um estimulante natural para qualquer tristeza.
Mesmo contra sua vontade, Vargas não pode deixar de notar as luzes dos postes elétricos que passavam velozes sobre o carro.
Outras luzes, em paralelo, os faróis dos outros carros, passavam velozes deixando traços agradáveis nos olhos de Vargas.
Por entre as casas recortadas pelo luar, percebia-se o verde das árvores e algo das cores das flores, podia-se admirar a exuberância harmoniosa com que concreto, aço e vidro se equilibravam com a vegetação nativa, um valorizando o outro em belezas deliciosas aos olhos.
O Rio, para Vargas era o jardim das delícias terrestres, não devendo nada à Paris, Londres, ou mesmo Nova York.
Um carioca hoje me dia, não precisava viajar pelo mundo. O mundo ia a até ele.
Vargas orgulhava-se de ter participado desse progresso, cada detalhe da beleza da capital era como um pedacinho de sua imagem.
Passear no Rio de Janeiro sempre o alegrara.
“E Alzira sabe disso, a marota...” pensou.
“Pobre filha, o que não deve ter pensado quando não viu a arma. Que tolice estava eu pensando. Pois se nunca, jamais sonhei em fazer uma coisa dessas e nem nunca o farei”
A velocidade do veículo fazia com que a as luzes noturnas parecessem traços coloridos riscando os céus, iluminando em flashes os rostos dos frequentadores dos cafés noturnos, cujo cheiro aromático dos pratos misturava-se à agradável maresia da Avenida Atlântica.
O Rio de Janeiro, Vargas orgulhava-se, não era mais a cidade provinciana do começo do século.
Desenvolvera-se na no começo década de 20 e sob Vargas, encontrara uma prosperidade que exalava da vida noturna, rica, farta, com atrações para todos os gostos e bolsos.
E quando o carro que conduziam o presidente e seu leal escudeiro contornava o espelho d’agua que dava acesso ao Cassino da Urca, Vargas já deixara-se contaminar pela leveza e promessa de diversão da noite carioca e lançado ao mar, ao vento, as luzes elétricas e às próprias estrelas o tétrico espírito de tristeza, escuridão e morte que o cercava.
A noite carioca era vida.
E a vida parecia clamar por Getúlio Vargas, não com gritos de ordem à porta da residência oficial do presidente, mas como um sussurro irresistível vindo das profundezas de seu enorme coração.
GE-TÚ-LIO
GE-TÚ-LIO
GE-TÚ-LIO
E a este chamado, disse sim o sorriso do Presidente ao ouvir Andrade proclamar:
--- Chegamos. Bem vindo à Urca, senhor Presidente.
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Mande fumo pro Curupira