ARGUMENTO–DE COMO SE QUEBRAM OS CORAÇÕES DOS PRESIDENTES

 

 

aymee

 

Noite alta. Aymee gosta deste horário para ler sua correspondência. Chama-lhe a atenção uma carta com procedência da França. Remetente: apenas uma grande letra V.

Intrigada ela abre a carta. Lê. Ri. Amassa-a e a joga no lixo. Ainda rindo vai ligar o rádio para ouvir o noticiário na PR-9 Mayrink Veiga.

Amanhã seria o rendez-vous com o presidente e uma primeira dama secreta, cuja vigência só vale nos momentos de cama e privacidade, é uma mulher que precisa manter-se informada para, mais que seduzir, persuadir, acariciar, adular, paparicar, até conseguir fazer valer seu ponto de vista em determinada questão.

Ser a primeira dama de fato.

A política, descobrira Aymeé, tinha a cama como aliada. Não era à toa que tantas garotas eram flagradas com congressistas, chefes de estado e de altos escalões.

Muitas destas garotas recebiam seu cachê por participar do evento de algum político e, muito frequentemente, ainda ganhavam um gordo bônus de algum inimigo do político em questão para que o espionasse e coletasse informações.

Ela sabia porque o marido sabia. E o marido sabia porque era chefe de gabinete de seu amante, Getúlio Vargas, Presidente do Brasil.

Luis Simões Lopes sempre fora um homem totalmente dedicado ao trabalho, ela bem o conhecia, quando aceitara casar com ele.

Afinal, seu cargo pedia dedicação total.

O que uma outrora apaixonada por Simões, não poderia desconfiar é que ela, Aymeé também ansiava por dedicação total, não essas migalhas de atenção que recebia.

Um beijo na bochecha quando Simões partia para o trabalho, um outro quando chegava e ainda outro e na bochecha quando iam dormir.

Faziam amor no escuro.

Papaimamãe.

Aymeé queria mais. De tudo. Sentia-se capaz de engolir o mundo.

E como esposa de Getúlio e Primeira Dama do Brasil conseguiria abocanha-lo de fato.

E no entanto, a sua maneira, amava Getúlio e não pretendia deixa-lo.

Pensou na carta em francês que recebera. Involuntariamente o pensamento surgiu em sua cabeça:

“Ela poderia ser uma saída.

Mas para Simões, que já não amava há muito.

Mas e quanto a Getúlio, que começara a amar há pouco?

Ou ama apenas o sonho de ser primeira dama?

Sempre é bom ter uma rota de fuga, numa situação como essas: amante do presidente mais polêmico q o brasil já teve. Casada com seu chefe de gabinete. Praticamente cortesã da esposa de seu amante.

E cheias de dúvidas insolúveis que circulavam em sua cabeça por essa noite adentro.

Como dominar o amor quando ele é um potro forte e saudável e livre correndo em disparada pelas planícies de seu peito?

Não... Estou decidida. Quero ver onde levaria essa história com Getúlio.

Aliás estava na hora do noticiário na Mayrink Veiga.

Aymee, pula da poltrona onde lera a carta, corre até a sala, liga o rádio e senta-se no sofá.

O radiojornal fala da crise e das acusações q pesam contra Vargas. Aymeé não se contem:

--- Isso não pode continuar. Essa história, essa paixão terá que enfrentar coisas terríveis, seja pelo homem que Getúlio é, seja pelo político que é Vargas.

E tem mais:

Simões, o marido, desconfia.

Darcy, esposa de Getúlio, a cobre de insinuações sarcásticas e venenosas.

E até agora o que ela ganhou querendo ver onde ia parar essa história?

Um cargo como “dama da corte”, pois nada mais nada menos era isso, os círculos do poder brasileiro de 1938: uma corte prestando vassalagem ao rei Vargas e sua rainha.

Mas era a rainha errada.

E ela era sua cortesã.

Sua, veja bem...

Dele vargas.

Não dela Aymeé.

E o pior. Se não fosse Vargas, seria o marido.

Por este nem amor, nem ódio, nem nada tinha.

Descobriu-o escrevendo uma súplica patética para Vargas.

Uma confissão ao contrário. Ele confessava para Vargas que sabia do caso e que sofria muito, mas que respeitaria a vontade da esposa pois sabia que ela estava feliz com ele, o presidente do Brasil.

Desprezo.

--- E atenção atenção. Atentado no Guanabara.

O noticiário narra que o Palácio Guanabara fora rendido por revoltosos e anuncia que o presidente está cercado e em vias de se render.

Uma junta militar assumirá o poder em poucas horas. Getúlio deveria ser preso e conduzido até o cruzador Bahia onde permanecerá detido até ser entregue às novas autoridades do pais.

Ao começar-se a anunciar quem governaria o país no lugar de Vargas, Aymeé desliga o aparelho.

Aperta as mãos e os lábios.

Está pálida.

Vai até uma cômoda, abre a última gaveta, joga um monte de coisas para fora dela e acha um maço de cigarros e uma caixa de fósforo.

Acende um cigarro e vai até o lixo.

Pega a estranha carta escrita em francês.

O convite antes lhe parecera ridículo: posar para uma revista francesa chamada Vogue, devido a sua exótica beleza aliada a uma elegância inata e criativa que cativara um jovem editor que a conhecera numa estadia no Brasil.

As coisas não podiam continuar assim.

Viviam num mundo de incertezas.

Era necessário ao menos em sua vida pessoal ter algo para se apoiar, onde segurar-se, mas no Brasil...

Ser amante do presidente era um castigo.

Ser mulher de seu funcionário mais próximo, outro.

Então, quem era ela e o que poderia fazer para sair deste ciclo de amor e castigo infernal em que se metera.

Fugir. Claro, o que mais poderia fazer?

Servir de arena para dois homens se digladiarem mortalmente?

Nunca.

Neste instante, viu que por trás da carta, havia um detalhe enorme que deixara passar. Uma passagem para Paris.

Mesmo angustiada, transtornada, reflexiva e deprimida soltou um grito de satisfação.

Paris. Sua rota de fuga.

O telefone toca.

É Vargas. Avisa que está a caminho.

Aymeé retruca que ele já passou por muitas emoções.

Vargas responde que nenhuma emoção é maior do que estar com ela...

Aymeé – Então venha...

“Assim já resolvo essa história de uma vez”.

A tarde do dia seguinte, no Catete, quando sai do palácio, Getúlio dá de cara com Alzira.

--- Então vai sair de novo Patrão, ela pergunta contrariada, sobrancelhas cerradas. – O que digo para a mamãe... Olha que ela já está de olho aberto e já tem quase certeza que tem chifre na testa.

--- Não fale assim de sua mãe.

--- Mas não é verdade patrão? Só veja se não demora. Ontem foi horrível. Precisamos de você aqui, mais do que ela lá, isso te garanto.

Constrangido pela fala da filha, Getulio chega ao rende-vouz.

Assim que Aymeé abre a porta, Vargas entra como um touro ferido. Sua tensão metamorfoseada em desejo pela adrenalina acomodando-se nas veias, impulsiona-o para o corpo da bem amada.

Ela beija-a, agarra a barra de sua saia, ergue-a, tenta tirar a calcinha, não consegue.

Ela geme de dor e prazer e levanta uma perna longa e firme fazendo a calcinha deslizar por ela.

Encaixam-se. Retorcem-se. Remexem-se.

Saboreiam-se. Gritam. Gozam.

Então, ela vai ao banheiro.

Getúlio senta-se na cama, alcança um charuto no bolso do paletó. Corta sua ponta, leva-o a boca, acende-o.

Começa a falar.

Vargas vangloria-se do tiroteio.

Aymeé ouve em silêncio.

“São coisas como estas que você está dizendo que me afastam quando tudo o que queria era ser a primeira dama brasileira e te amar de igual para igual.”

--- Pare - Aymeé ordena.

--- Vcs homens, são pura violência, pensam que um nariz quebrado de uma pessoa é um troféu. Ser atacado e sair ferido de uma luta não é um troféu. É violência pura e simples. E não suporto violência.

“E ela está aumentando por causa do seu governo, meu amado. E no seu governo sou apenas uma cortesã que tem que agradar a rainha para ir para a cama com o rei. Por pura paixão. Sem ganhar nada e perdendo tudo.

É por isto que vou sair do Brasil.

Sou jovem, quero ser livre, viver a minha vida, não a vida que me destina o governo do Estado Novo, você consegue me entender?”

--- Mais do que imagina – responde Vargas.

Aymeé sorri:

--- Mas te quero bem, Getúlio, você não tem culpa, são as circunstâncias. Nosso caso não iria durar muito sabíamos disso quando começamos. Pois bem, acabou. Vamos ser civilizados e sair como amigos.

--- Como deixar de ser seu amigo se o bem querer que tenho no peito me força a fazer o possível e o impossível apenas para vê-la feliz, minha bem amada. Impossível não ser seu amigo.

Vargas toma-lhe a mão beija-a, olha para Aymeé longamente...

--- Até logo, minha amiga bem amada, agora a violência do estado novo me chama, diz Vargas com amargura.

Aymeé vai para Paris. De lá escreve para Vargas.

Carta Aymeé

Adulações. Reclamações. Pede grana

Carta de Vargas

Romântica, chic e cheque

Uma noite, Vargas chega em casa e dá de cara com uma Vogue com Aymeé na capa.

A sua frente, dona Darcy observa sua reação.

--- É aquela ex-mulher do Simões, não é, a que você queria que fosse minha amiga... Realmente ela é uma beleza exótica e rara. Uma verdadeira capa de revista, olha.

Getúlio engole em seco.

--- Dizem que essas modelos ganham muito bem por uma foto. Que bom para ela que não precisa mais de dinheiro de ninguém não é mesmo, meu querido. Bah, meu presidente, faça um favor para sua primeira dama. Esqueci meus óculos de leitura no Catete. Podes ler a matéria para mim. Fiquei tão curiosa...

Getúlio engole em seco.

A última coisa que queria era ouvir o sucesso do ser amado. Pois significava que este estava livre dele, Vargas, e poderia fazer o que quisesse, inclusive nunca mais vê-lo.

Mas ante o pedido calculado da mulher não havia escolha.

Era a sua sina e o seu castigo.

Testemunhar o sucesso da mulher amada o que era, infelizmente, o fracasso de sua paixão, a sina.

Ler era o castigo que a mulher escolhera lhe impor.

Ele o aceita.

Senta-se.

Lê a matéria com voz firme, mas mesmo sem óculos, D. Darcy não deixou de sorrir de satisfação ao ver uma solitária lágrima pesada de tristeza escorrer da face do marido e explodir no chão em incontáveis e quase invisíveis pocinhas d’agua.

             FIM

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