CRÔNICAS DOS AMORES ESPACIAIS–A CIDADE ONDE MORA A LOBOTOMIA–A REDOMA

A ida e a volta formam um vale, o fundo, gente segura, indo e vindo, a vida passando, eles segurando a onda.

Eu não.

Meu vale, o deles, é uma redoma. Eles, zumbis com o cérebro fritado por Elon Musk II, esse sádico hexadimensional que o cosmo conhecido governa sem que percebamos.

Não posso sair desse vale. Esse buraco.

Seria repelido pela redoma, que apenas eu vejo, translúcida e com as cores do arco íris dançando, tentando-me a olhá-la mais e mais, seu feitiço aprofundando-se, pernicioso, na mente.

Até a lobotomia quântica. Foi o que aconteceu com todos aqui. Eu a vi, a redoma, percebi a tempo, fechei os olhos. Os outros não.

Erámos todos artistas, engajados num movimento artístico cyberrealista que detonava os desmandos de Musk II. Fomos todos presos, reunidos, desembarcados neste cú de mundo para a lobotomia, para a morte do que os tornava singulares e únicos.

Agora mal sabiam o próprio nome. Inventavam apelidos arcaicos, os bloqueios psíquicos da redoma os tornando comodistas afáveis, perdidos em porres de cerveja, churrasco e inércia nos dias de folga.

Nos outros, trabalho operário com técnicas de produção ultrapassadas, cérebros conformados a sobreviver mais um dia e para servir sem questionar.

Não havia cultura dentro da redoma.

Os parques eram espaços vazios destinados à shows que não passavam de memórias de músicas ultrapassadas de um gênero há muito esquecido, algo que falava que o Roque rolava, sei lá, covers, nada mais. E olha que isso era raro.

As escolas eram depósitos de nada. Os jovens a frequentavam por hábito, entravam, sentavam-se nas carteiras e olhavam para cartilhas em branco. Não importava o conteúdo. Sempre passariam de ano. Pois a nenhum professor era permitido educa-las.

Não havia sombras nos parques.

Ninguém cuidava das escolas.

Porque haveria-se de cuidar da criatividade?