AS CRÔNICAS DOS AMORES ESPACIAIS–DE TRIÂNGULOS AMOROSOS E DOS CORAÇÕES NELES ENVOLVIDOS

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O que Judite não esperava era a inimaginável solidão que a cercava. O poder e a responsabilidade pelo andamento da experiência a mantinha em constante estado de alerta, e a tensão a afastava das pessoas. Mesmo fazendo um bom trabalho estava insegura. Melhor a solidão do que deixar transparecer suas dúvidas para a tripulação.
Mas entre ela e a solidão completa contrapunham-se a companhia de Leandro e Fitzgerald. O primeiro a encorajava com transmissões etéricas carinhosas e com o relatório favorável do conselho acerca do rumo das experiências na estação.
O segundo era um profissional competente que a atraía sem que quisesse. Quando percebia lá estava ela ao lado dele, buscando informações que ambos sabiam ser desnecessárias, a não ser para justificar a companhia um do outro.
Na Terra, isso não passava despercebido por Leandro, vítima de um amor outonal irresistível por Judite, podia sentir aquela estranha eletricidade dos apaixonados quando Judite mencionava Fitzgerald em seus relatórios. Ou quando chegavam imagens das câmeras da nave onde os dois irradiavam uma paixão escondida e disfarçada um pelo outro
Era um cara tímido e solitário. Retraído e sempre sozinho, dedicara sua vida à Federação e jamais pensara em outra coisa a não ser em ciência. Mas percebera o potencial da então acadêmica e sua aluna Judite e a acolhera como mentor, iniciara-a na astronomia avançada, nos estudos de física quântica, guiara-a pelos meandros da ciência, até finalmente, de maneira inevitável, apaixonar-se perdidamente pela aluna talentosa jovem e bonita.
Isto jamais deveria ter acontecido. Porém amava Judite. Tímido e retraído, jamais lhe confessara o que sentia. E a sabedoria que vinha do amor lhe dizia que havia a perdido para outro.
Monitorar e coordenar da terra a missão para Plutão, pois era lá que orbitava o módulo avançado da estação espacial intergaláctica tornara-se uma tortura emocional.
Cada imagem de Judite faziam seu coração sangrar, dilaceravam deu espírito, pois estavam impregnadas com a presença repulsiva de Fitzgerald.
Com a raiva que dele sentia, conseguia compor-se, evitava as lágrimas que queria e precisava tanto derramar. Mas não ali, no centro de controle da missão Plutão da Federação Intergalactica, justo ele, diretor geral da missão. Totalmente inadequado.
Chorava na escuridão do quarto, com as holoimagens de Judite nos tempos da academia, esperançosa e inocente, tão ilusoriamente sua que chegara a acreditar na mentira.
A verdade amarga era que ela amava Fitzgerald. E ele não podia fazer nada quanto a isso. Mas então via o que tinha pela frente. Décadas de solidão sem carinho nem amor. Em seu quarto olhava para seus títulos, livros, condecorações, tudo que outrora lhe trazia orgulho e a paz de uma vida que não fora desperdiçada.
Ilusões. Sonhos recheados de imagens vãs Meros lembretes de que nunca foi amado e fracassara em sua única paixão de verdade. Os números, a física, as singularidades estelares, a música das esferas, tudo o que dava sentido a vida de Leandro começou a esvanecer, o vazio deixando-o amargo e melancólico.
Coordenava a missão como num sonho, onde tudo era irreal, menos aquela imagem cheia de intensidade das transmissões de Judite. Uma força vital que, ele sabia, vinha do amor e que não podia suportar. Como era incapaz de odiá-la passou a odiar o grande culpado por seu coração estar em pedaços. Fitzgerald.
E a raiva lhe acordava do transe. Pensava nas missões de risco a que um piloto estava sujeito. Trocas de baterias, chips, qualquer defeito externo feito por tempestades eletromagnéticas, meteoritos, todo o perigo do espaço desconhecido.
Tinha controle total sobre a estação. Podia acessar e manipular as naves exploratórias e de reparos. Era uma segurança em caso de falha do piloto.
Mas também podia controla-las para deixa-las inseguras o suficiente para causar um acidente. Um mortal. uma voz estranha e cavernosa lhe sussurrou, vinda de seu eu mais negro, do ventrículo mais escuro de seu coração.
Sacudiu a cabeça desesperado. Não só porque condenava moralmente o ato, mas porque podia calcular o sofrimento de Judite e quase senti-lo na pele. E não podia vê-la sofrer. Não queria que ela sofresse o que ele sofria.
“Mas vocês poderiam se entender” respondeu o ventrículo negro.
Será?
“Claro que sim. Quem melhor que vocês dois para consolar um ao outro?”
E um súbito silêncio interior fez-se em Leandro. A paz de um amor correspondido desenhou-se em seu coração por um instante, para, logo em seguida, desaparecer, deixando-o frente a frente com o vazio e a solidão das décadas porvir.
E o silêncio de sua agonia foi interrompido por uma profunda gargalhada vinda lá do mais profundo tom de negro do imenso, triste e negro vácuo que se tornara seu coração.
“Como o espaço. Exatamente como o espaço” pensou Leandro sem perceber que sua inocência escorria pelo seu rosto em lágrimas involuntárias.

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