CRÔNICAS DOS AMORES ESPACIAIS - UM AMOR NO INFERNO ESPACIAL–ONDE O INFERNO SE CURVA DIANTE DO ESPAÇO TEMPO DE UMA MULHER MISTERIOSA.

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O inferno são os outros, dizia Sartre. Não sabia nada. O inferno é a repetição. Não a do sofrimento, mas a do prazer. Sem fim e inesgotável. Sugando a energia do seu corpo a ponto de doer. E daí, você só tem duas escolhas. Continuar a sofrer com seu prazer. Ou parar de gozá-lo e sofrer mais ainda. Até a morte.
Pelo prazer ou pela abstinência dele.
Acredite, eu sei. Foi minha sentença. Inferno Sideral. Por denunciar os planos atrozes de Musk II, aquele tirano sádico que nos governa sem que percebamos.
Hackeei o servidor etérico da Agência Intergalátctica de Proteção Sideral. Decodifiquei e expus os planos de colonização de raças inferiores para todo o Cosmo conhecido.
Interceptaram minha transmissão. Fugi. Escondi-me no cinturão de asteróides que cercava nosso sistema solar.
Fui descoberto acidentalmente numa faxina promovida por Musk II, aquele imbecil, que preferia explodir por puro prazer o lixo intergaláctico do que usar os servosrobôs faxineiros.
As explosões abalaram meus escudos defensivos e expôs meu covil aos sensores de detecção dos bombardeiros.
E o Supremo Líder da Agência de Proteção Sideral e Chanceler da União do Cosmos Conhecido, Musk II, condenou-me à Prisão Cabaret em que cumpro pena de morte e ressurreição por Inferno Sideral.
Drogavam-nos com Gamer 1223. Injetavam-nos capsulas de nanorobôs biodegradáveis com tetradoxinas anfetamínicasneuroestimulantes.
Gózavamos sozinhos, como imbecis, gastávamos sem parar a pouca energia que tínhamos. E continuávamos a jogar, escravos das drogas que Musk II conseguira extrair dos tomos alquímicos hexadimensionais de Sir Willian Gibson.
Não saíamos da mesa por nada. Ao longo do dia nossos excrementos se acumulavam em pilhas e poças, uma para cada jogador, suávamos, famitos e sedentos, pois nada havia para comer e beber no Inferno Sideral, éramos incapazes de parar a jogatina, imersos num sofrimento tão intenso que chegava a doer de prazer. A noite os maníacos por limpeza tinham sua vez de fazer a festa, deixavam tudo exatamente como estava no começo do dia.
Para tudo se repetir, de novo, e de novo e de novo, agora e para sempre. E nós, dizíamos amém com sorrisos famélicos no rosto, pobres infelizes que somos, nós os condenados ao sofrimento eterno.
Morri e revivi várias vezes. Perdoe-me a confusão. Vivo minha décima ou vigésima sexta de uma série de incontáveis vidas e tudo fica meio confuso as vezes. A euforia angustiante das neurodrogas, muitas vezes mata sua sanidade antes de matar seu corpo.
E a insanidade é para sempre, morra seu corpo ou não.
E é o que está acontecendo comigo, a sombra da loucura as vezes tolda-me a visão e deliro, confundo transfiguro, um retiro, um exílio mental, uma defesa ante a tortura inesgotável da imaginação insana de Musk II, que pessoalmente projetou, desenhou e supervisionou a construção do Iate Cósmico que abriga esta prisão.
Ou isto também é loucura. Não sei. A rotina é a mesma, vou concentrar minha mente nela...
Cada dia da semana jogamos um jogo sem parar. Até alguém morrer na mesa de jogo. Loucaços como estávamos, ninguém queria saber de deixar a mesa de jogo.
Podia ser o bacará de segunda, o 21 de terça, o truco argentino às quartas, o poker as quintas, roleta as sextas, sábados eram as máquinas da sorte e os videogames inteligentes de última geração. Domingo sofriámos para saber o quanto gostaríamos que fosse segunda.
Para recomeçar a jogatina.
Mas a morte não era o problema. O que nos esgotava e estava me deixando maluco beleza, Ruroraraá, louco de pedra estou ficando de morrer viver morrer fome dor gozei, idiota, like a virgin.... no meio desta pilha de esterco. AAAAHHHHGRORROROAOOAOAA!!!!!!
O que me deixava louco a ponto de querer arrancar os próprios olhos era a ressurreição.
Musk II gravava nossa consciência, nossa alma, porque não, quem saberá, em bastões que implantava em nosso córtex cerebral. E fazia clones e backups de nossas mentes, nos proibia de morrer.
Quando finalmente morríamos, o Patriarca das Artes Siderais e Primeiro Ministro da União Capitalista da América do Norte, o homem mais poderoso do Cosmo Conhecido, Musk II, decidia se deveríamos finalmente conhecer o alívio da inconsciência eterna, a Morte, este consolo, ou se ressuscitaríamos para uma vida a mais na Prisão Cassino.
O Inferno era a repetição da própria vida, sempre quase o mesmo dia agonizante de prazer e sofrimento num eterno slow motion.
Até a morte e ressurreição e morte e vida, num iate, cassino, prisão, paraíso e inferno, éramos todos condenados, pó intergaláctico orbitando lentamente, em meio ao silêncio eterno do Cosmos, um buraco negro de prazer e dor.
Aqui descobríamos realmente a dor e a delícia de ser o que éramos. Rá, Rá, coitado do Caetano. Ser o que se é, Rá rá... Eternamente.
Era o Inferno.
Até que, ao voltar para minha décima oitava vigésima segunda terceira vida, a vi.
Aqueles imensos olhos castanhos, pequenos planetas cheios de vida, envolvidos em véus que circulavam em transparências o seu rosto moreno e misterioso, como os anéis de Saturno...
E pela primeira vez em décadas, sem precisar de estímulos químicos artificiais, senti-me faminto por algo mais.
Por ela, por Elektra.
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