O ÚLTIMO PACTO II–A CURA

Ela não veio num estrondo, nem em nuvens de enxofre, muito menos atravessando portais sombrios.
Apareceu como todos aparecem. Bateu à porta:
--- Posso entrar?
Ante o silêncio dele, abriu a porta do quarto, entrou.
Com seu corpo sinuoso,
camaleônicas cores em plena mutação.
Os olhos inteiramente negros.
Sorriso estranho.
Dentes afiados mas pequeninos.
Brancos e brilhantes.
Tinham sua sedução.
Sim, ela era bela, terrível e sedutora.
Mas não era a Entidade que ele invocara.
--- Qual seu nome? Não te conheço.
--- Mas conheceu tantas, não foi? – riu com uma doçura nauseante – Essa noite sou quem você quiser. Eu estava só de passagem quando ouvi o nome de uma amiga e resolvi vir ver o que era. Topei com você. Agarrando-se a essa vida patética e decrépita que sempre viveu. Decidi te dar uma chance. Mas não quero sua alma. Quero que faça exatamente o que mandar.
--- E o que você quer comigo? O quer tanto que eu faça que vale mais que minha alma?
--- Não disse que sou quem você quiser, meu bem?
Balançou os cabelos, passou lentamente a mão sobre seu corpo fraco, de cima a baixo da cadeira de rodas.
Foi como se tivesse injetado plasma atômico em suas veias.
Primeiro a dor insuportável vindo de dentro para fora.
Depois um estranho chiado como se, por dentro, algo que ele ignorava, que lhe era misterioso e inacessível fosse cauterizado.
Depois a sensação de poder.
A louca vontade de ficar em pé.
Mexer os braços.
Andar.
E fez tudo isso.
Rindo como uma criança.
A entidade, que a tudo observava, satisfeita, sorriu seu sorriso estranho e sedutor de pequena canibal:
--- Hoje, amor, pelo preço certo, também sou Cura...


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Mande fumo pro Curupira