COMO SE QUEBRAM OS CORAÇÕES DOS PRESIDENTES– V - FINAL

 

AYMEE LOOK

 

Carta de Aymeé para Getúlio:

Paris, 25/06/1938

Mon cher ami:

Paris é uma cidade inclemente. Ah se você estivesse aqui para ver as agonias que passo por estas ruas, por estes cafés, restaurantes, prédios e apartamentos que servem de cenário para uma vida que, tenho certeza, o meu mon cher ami consideraria fútil e sem sentido.

Pois então me isento de descrever tais agonias, basta, meu querido amigo, saber que elas existem e me são incômodas a ponto de lhe escrever desabafando.

Não, mais do que um desabafo, escrevo-lhe para suplicar ajuda, tanto em palavras – sempre tão reconfortantes e benvindas – quanto em numerário, pois as despesas de manutenção nessa capital, posso lhe afirmar com certeza, é o mais caro do mundo.

Mas também o mais belo...

Com a estima que nunca lhe falta despeço-me na esperança desta tocar-lhe o coração e responder-me positiva e ternamente.

Com carinho,

Aymeé

Resposta de Getúlio para Aymeé:

Rio de Janeiro, 01/07/1938

Bem amada amiga,

Não posso imaginar agonias fúteis que incomodem tua alma e tal fato fere minha alma ao ponto de um tormento implacável.

Que coração vítima de cupido não sofreria ao saber a agonia do ser amado porém, não a sua causa e, sendo assim, negada é a possibilidade de combate à raiz do problema, extirpa-la e devolver à felicidade aquela que se ama?

Sei que amenizas tais agonias para não me afligir mais e também sei que me pedes apenas um paliativo para tais males.

Portanto resta-me apenas, na esperança de ir além de suas expectativas no que se refere a minha ajuda, ser generoso e lhe enviar via Banco do Brasil na embaixada em Paris um crédito na forma de um cheque “especial” de 10 contos de réis.

Sei que cada número que escreveres em tal cheque aliviará tuas penas e me encherá de felicidade ao ver a bem amada amiga em paz nesta bela e terrível cidade que escolheste como exílio.

Tão longe de mim, que nunca saiu do próprio país por amor à pátria e, reconheço, devido à um ranço provinciano dos pampas gaúchos.

Porém, bem amada, estimulaste meu desejo de conhecer o exterior.

E se antes tal anseio era nulo, hoje, tenho grandes expectativas de viajar como chefe de Estado para a mais bela capital da Europa apenas para ver a mais bela brasileira exilada em território internacional.

Gostarias disto, bem amada amiga?

Na esperança de um sonoro sim, deixo-lhe minha ternura infinita, uma vez que me foi proibido ama-la plenamente.

Mas em Paris...

Não sentes um arrepio, bem amada, ao saber-me em breve tão perto, na capital internacional do amor e dos amantes?

Talvez em Paris possamos descobrir novamente a palavra amor.

Inteiramente teu, deixo-lhe meus sinceros votos de superação destas agonias inoportunas, minhas esperanças de um encontro e felicidade, bem como o já referido crédito.

Getúlio.

Resposta de Aymeé

Mon cher amour:

Venha o mais rápido que puderes.

Embora lute para vence-la, a saudades de ti me devora e fraquejo. Anseio por ti. Então, mon amour, venha como o raio para os braços de sua Aymeé.

Porém os dois nunca se encontraram em Paris.

Uma noite, Vargas chega em casa e dá de cara com uma Vogue com Aymeé na capa na mesa da sala.

A sua frente, dona Darcy observa sua reação.

--- É aquela ex-mulher do Simões, não é, a que você queria que fosse minha amiga... Realmente ela é uma beleza exótica e rara. Uma verdadeira capa de revista, olha.

Getúlio engole em seco.

--- Dizem que essas modelos ganham muito bem por uma foto. Que bom para ela que não precisa mais de dinheiro de ninguém não é mesmo, meu querido. Bah, meu presidente, faça um favor para sua primeira dama. Esqueci meus óculos de leitura no Catete. Podes ler a matéria para mim. Fiquei tão curiosa...

Getúlio engole em seco.

A última coisa que queria era ouvir o sucesso do ser amado. Pois significava que este estava livre dele, Vargas, e poderia fazer o que quisesse, inclusive nunca mais vê-lo.

Mas ante o pedido calculado da mulher não havia escolha.

Era a sua sina e o seu castigo.

Testemunhar o sucesso da mulher amada o que era, infelizmente, o fracasso de sua paixão, a sina.

Ler era o castigo que a mulher escolhera impor-lhe.

Ele o aceita.

Senta-se.

Lê a matéria com voz firme, mas mesmo sem óculos, D. Darcy não deixou de sorrir de satisfação ao ver uma solitária lágrima pesada de tristeza escorrer da face do marido e explodir no chão em incontáveis e quase invisíveis pocinhas d’agua.

                                               FIM

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