A BACANAL DE COBERVILLE–VI–A REAÇÃO DE GETÚLIO VARGAS

 

 

Getúlio Vargas, o pai da indústria no Brasil. Viva! - Paulo Gala / Economia  & Finanças

E praticamente irrepreensível, pois Lacerda jamais teria como provar que o dinheiro investido por Silveira não era público, e o documento que Wainer tinha em mãos, conseguido com uma sutil liberação estatal de verba por parte de Lourenço Pontes do antigo D.I.P., era justamente o livro de contas da fábrica Tecidos Bangu, de propriedade do mesmo Silveira, indicando que tais gastos foram feitos em caráter honestamente privados e particulares.

A reação de Getúlio. Um sorriso. Mas um sorriso ainda insatisfeito.

O Correio da manhã do dia 7 de agosto martelou na tecla do câmbio negro e revelou detalhes quase surrealistas da festa – rememorou Chateubriand entrando em Coberville montado a cavalo com uma periquita na garupa, as mil e tantas garrafas de bebida, a alegria inconveniente de Darcy Vargas.

E o nome de Silveira ainda sujo.

O escândalo do Banco do Brasil, quase frio, esquentou 10 graus em 72 horas – Getúlio Decide que Alzira e Darcy permanecerão na Europa até as coisas esfriarem no Brasil.

Com a edição de A Última Hora em mãos, Vargas vira-se pra Wainer:

--- O primo de Chateuabriand não gosta dele não é mesmo, Samuel?

--- Como senhor presidente.

--- O primo dele, um tal de Rafael, que trabalha para o Estado de São Paulo e que odeia Chatô. Podemos utiliza-lo em nosso favor.

--- O Rafael Correa? Não creio senhor. Ele ama o jornalismo mais que tudo nesta vida.

--- Mais que o amante? – pergunta Getúlio piscando-lhe um olho brilhante.

Samuel Wainer engole em seco. Ele mesmo dissera numa noite regada a puro Mc’callans e Bourbon, em tom de brincadeira que o primo de Chateuabriand, Rafael Correa de Oliveira, um repórter em ascenção no Estado de São Paulo era da pá virada. Um invertido. E rira inconsequentemente.

Getúlio também rira na oportunidade. Um agradecimento à informação concedida gratuitamente por Wainer e que agora, sem o mínimo pudor, virava contra o próprio jornalista.

Samuel Wainer quase tossiu:

--- Não senhor.

--- Então – e os olhos de Getúlio brilharam novamente – arroche o amante, fotografe e grave tudo, mostre para ele, fale que o temos em nossa custódia e será solto somente se ele coloborar. Ri nervosamente. Estende a mão para Wainer. A mão está velha, enrugada, trêmula de nervosa, mas, ao abrir-se exala persuasão e energia.

--- Ele comerá em nossas mãos, meu caro Wainer. Ou seu amado sangrará ao seu comando.

--- Mas senhor presidente, sou um jornalista e não um capanga.

--- Um jornalista um tanto sem escrúpulos é quase um capanga, meu caro senhor. E considere isso um elogio.

Novo riso nervoso de Getúlio.

--- Gostaria que não fosse desse jeito, Samuel... Acredite em mim, mas não há outra maneira. Não neste país. Não comigo no poder. Não nesta época... – vira um gole do scotch. – O brilho dos olhos de Getúlio agora é aquoso e um tanto solene, quase fúnebre.

--- Confio em você, Samuel Wainer. E confio em poucas pessoas. E bah, o sangue derramado é a melhor paga que um hombre pode dar a outro. Derrame sangue por mim, meu amigo. Faça juz a confiança de um fazendeiro que nunca deveria ter saído dos pampas e que voou alto demais...

Wainer emociona-se com a honestidade daquela selvagem confissão de primitividade masculina. Mas mesmo assim, repete, era um jornalista, não um capanga. Não sabia lidar com a violência. Mas queria valer a confiança de Vargas. E isto o motivava a fazer o que intimamente repudiava.

Vargas dá as costas para ele e alcança um charuto. Corta-o lentamente, acende-o com um fósforo. O brilho em seus olhos provocam um calafrio em Wainer.

--- É por isso que Filinto Muller em pessoa irá com você. Ele é um capanga, mas também um policial. E sabe cumprir ordens bem como fazer alguém as cumprir.

Wainer quase tosse.

--- Isso é desnecessário presidente.

--- Não, meu caro senhor. É uma ordem presidencial direta e secreta. Use Mueller. Arroche o amante do jornalista. Consiga uma reportagem acusando Chateubriand no Estado de São Paulo. É o sangue que tem que derramar para fazer juz à minha confiança, meu caro. Nem mais nem menos.

Wainer quase tosse mais uma vez quando vê que Mueller está na sala observando-o. Há quanto tempo ele estaria na sala enquanto ele conversava com Vargas. Por todo o tempo com certeza. Não havia como escapar. Ele podia ser um jornalista sem escrúpulos, chantagens e mentiras bem contadas eram parte de seu metiê. Mas aquilo. Bem aquilo o assustava, e também o excitava...

Talvez fosse um jornalista e um capanga no final das contas.

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