A BACANAL DE COBERVILLE– IX - FINAL

 

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Uma cobertura onde destacava-se a linha proposta por Freyre. O reclamo. O anúncio. A publicidade. Mas não da cultura apenas, mas também do grande produto brasileiro que o astuto senador paraibano visava introduzir no mercado internacional. O algodão Seridó.

E as matérias não faziam segredo disso.

Getúlio não perdeu sequer uma:

“Repercute em todo o mundo a Festa do Cstelo de Coberville como a maior propaganda que já se fez do Brasil no estrangeiro. Na verdade a grandiosa festa arquitetada por Jacques Faith e Assis Chateubriand dos Diários Associados tornou possível a apresentação na capital da moda, dos nossos tecidos de algodão, perante milhares de convidados que eram a fina flor da sociedades europeias e norte-americanas”.

“A festa de Coberville constituiu-se em um ensejo para que o mundo tomasse conhecimento de uma indústria têxtil capaz de competir nos mercados internacionais com um produto que a elegância da mulher europeia há muito reclamava: o algodão nacional”.

“Todos se mostraram surpreendidos e maravilhados com a existência , do outro ladoi do Atlântico, de um páis que podia ostentar uma indústria têxtil em nada inferior à dos maiores centros cotoníferos do mundo”.

E o Presidente Eleito do Brasil não pode deixar de sorrir gostosamente quando percebeu que, além de jogar uma bomba de fumaça no escândalo do Banco do Brasil, de quebra, Chateubriand limpou a barra de Darcy Vargas.

Sob a controversa foto da primeira dama com o estilista vestido de fauno, havia com uma legenda enaltecedora e, ao mesmo tempo, totalmente de acordo com os interesses do senador paraíbano mais astuto da história brasileira:

“A senhora Darcy Vargas, cuja presença não poderia faltar a uma festa inspirada pela patriótica causa da propaganda do Brasil no estrangeiro, visando a valorização dos nossos tecidos de algodão e, ao mesmo tempo, a intensificação do interesse turístico de nossa Terra, conversa com Faith depois do desfile cercada por figuras da mais alta sociedade brasileira”.

Lida as matérias, Getúlio não se contém e ri gostosamente:

--- Vejam só, o que fez esse safado. O vilão virou o herói do algodão nacional. Você não sabe como fico feliz com isso, meu caro Samuel.

Longa gargalhada de Getúlio.

--- Mas Getúlio, você desapareceu de cena, ninguém mais noticia suas obras, seus feitos, os grandes gestos do governo. Só querem ler mais e mais sobre Coberville e Chateaubriand.

Getúlio corta um charuto, acende-o pisca um olho para Wainer.

--- Por isto mesmo. Um presidente incógnito na imprensa é um vencedor da mídia. E o seu prêmio é a paz. Deixe Chateaubriand levar os créditos. E não pense que fugi da luta. Os Vargas não perdoam, mas esquecem... E sabemos nos lembrar quando a hora propícia chega. E agora, meu amigo, vamos fazer um brinde. Ao fim dos escândalos. Ao esquecimento. E a chegada da hora propícia...

E ri, sua sonora gargalhada soando como os cristais que se chocam nos mais alegres brindes.

Em 1955, em frente ao castelo destruído pelo fogo, sangrando fumaça pelos ares, Aymeé percebe que é a responsável por estes alegres brindes de 1952.

E, em sua mente, uma arma dispara culminando no suicídio presidencial em 1954. Sangue. Uma ferida no peito. E o rosto de Vargas sem vida.

Depois, sua memória deriva para um leito no hospital. Um zoom in no rosto de Jacques Fath verde morrendo aos poucos. A fumaça negra de Coberville.

O aroma de um amargo passado queimado.

E Aymeé retorna de suas lembranças.

Vê-se cantando a cantiga de ninar para Genevieve Fath no automático.

Diz pela última vez:

--- psss, mon cher, command savá sa petit. Durma. Durma...

É quando percebe que falava não só para Genevieve, mas para ela mesma, uma cantiga para ninar sua culpa, sua íntima e incerta paranoia, mas que parecia uma música fúnebre a enterrar algo que ela perdera com sua leviana tentativa de vingança. Algo indefinível lhe fora arrancado do espírito. Sentia-se pesada. Um peso eterno.

Um peso no espírito era a exata medida de sua perda, talvez uma espécie de inocência outonal, uma flor que resistira ao tempo e que a leviandade com que tramara sua vingança em Coberville acabara por murchar.

Como um sonho que se perde na memória.

Ayméé sentia que, para ela, haveria apenas o resto da vida, não a vida plena.

Um fiapo de viver, confortável como um aquário dourado, onde um dia, inexoravelmente iria se afogar, enquanto os dias iam apagando-se um a um em direção ao lugar onde a escuridão não é a noite, mas algo muito maior, e que Aymée não ousava pronunciar.

                                            FIM

chatô e aymeé

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