Um Outro Heterônimo de Mim




            Filipe Agostinni, nasceu em 1942, na reta final da segunda grande guerra em Triunfo da Serra, São Paulo. Interiorano convicto, ao chegar a faculdade, pouco lhe importava a baia dos porcos, Guevara ou a morte de Kennedy. Sua família possuía recursos e livros e o poeta vivia confortavelmente, considerando seus ideais muito acima da Guerra Fria e suas seqüelas.
            Formou-se em administração mas atingiu seu PHD em filosofia e educação. Nunca se entusiasmou com livros marxistas, por considerá-los matéria alheia ao pensamento puro, mero ramo econômico da filosofia. Em 1972, com 30 anos de  idade era o mais novo diretor da história do Instituto Educacional de Triunfo da Serra.
 Entretando, também era tempo de sua Nêmesis. A ditadura. Médici, gentilmente o convidou a se retirar do Brasil, seus estudos filosóficos e trabalho educacional considerados nocivos para a segurança nacional..
            Agostinni via-se como uma Suíça mental, absolutamente neutro numa disputa que considerava fútil e insana. Não é de se admirar que tenha entrado em parafuso com o decreto de seu ostracismo. Prometeu para si mesmo ser qualquer outro que não filosofo, marxista, nem financista. Escolheu o caminho do andarilho poético e pirulitou-se para o Chile com aforismos pré-socráticos, Keruak e Bashô a tiracolo. Além disto, consta que levou para o exílio um caderno de notas, jeans surrado e uma gorda conta bancária. Dentro de si, a firme determinação de esquecer a civilização.
            Quando voltou finalmente para o Brasil, Tancredo tinha morrido. Em sua bolsa andina, um caderno de versos. Em seu bolso, lápis e uma caderneta. Vestia uma calça de algodão criolla, camisa puída, sandálias. A alfândega extraviou seus escritos (Uma pasta com cadernos de anotações foram perdidos, juntamente com uma camisa limpa, uma bermuda e um talão de cheques). Indignado, Agostinni agrediu um agente alfandegário, seu único ato de violência na vida, o que lhe resultou uma breve e intensa temporada na cela comum, desacreditados seus títulos e privilégios.
            Pouco depois, já em liberdade, manifestou-se uma doença misteriosa, que aos poucos foi lhe consumindo, sem que nada ou ninguém lhe ajudasse. Morreu só, aos 47 anos, agonizando pacíficamente em sua cidade natal.
Estes são alguns de seus poucos versos conhecidos e o seu mínimo testamento









FLORAL

Descobri, outro dia
o nome de uma flor...

Uma flor prostituta,
bagatela de esquina.
Uma flor que se abre em Setembro,
como outras e outras flores mais belas:
Rosas, Lírios e Papoulas.

Mas esta flor corriqueira
era a própria essência
de todas as flores.
Mesmo daquelas:
as outras e outras mais belas.
- Ao menos pra mim,
que nem seu nome sabia -

Mas descobri por acaso,
substantivo
nome em vão
palavra jogada em conversa de trens

E imediatamente,
quase castigo,
quebraram-se os cristais
que carregava no colo.



                                                                                              Santiago 1973














O JARDIM DAS PALAVRAS





As palavras certas: flechas, setas, dardos.

  Perfurando este sono pesado e lento,
 fazendo brotar
 De suas feridas a exuberância das rochas,
 O colorido pleno
 A matemática das esferas
           
A palavra certa escorre pelos meus dedos
            Foge de meus lábios
            Tortura meus olhos.
            Diariamente.


            Refúgio e armadilha: beleza feroz
            A palavra certa leva a Origem, ao Espírito.
           

A palavra certa tem a qualidade do que é eterno
            E ainda assim,
            Ordinário.

                                                           Santiago do Chile, 1972






VESPERTINO


Resta de mim
este pensamento de enxadrista
este sentimento de poeta
que se nunca misturam
como o fazem, oléo e água
neste homem que pensei que seria.

Aqui, nestas lentas orlas em que nasci,
vivo para só descobrir se um dia vivi.

                                                                                                                                             Triunfo da Serra, 1984


                                  

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