De onde viemos, quem somos, para onde vamos.
Há uma história ancestral persa sobre um imperador jovem
cujo maior sonho, era saber tudo sobre o ser humano. Motivado por tão nobre
intento convocou seus sábios e lhes informou o que queria. Vinte anos se
passaram quando os sábios retornaram com 40 volumes. O imperador já perdera o
viço da juventude e entrara na meia idade, os rigores de suas
responsabilidades, pois era um homem justo, vergara-lhe a espinha e rugas
nasceram precocemente em seu rosto. Consciente de seu rápido processo de
decrepitude, ordenou aos sábios que resumissem aquilo, pois não teria tempo de
adquirir tanto conhecimento em vida.
Os sábios trabalharam por mais vinte anos. Esgotavam suas
forças para concretizar o sonho de seu imperador, pois também eram homens
justos. Apresentaram-lhe 20 volumes. O imperador, já calvo e praticamente
imobilizado olhou os livros e balançou a cabeça. Seu fim estava chegando,
anunciou. Os sábios não poderiam resumir os tratados num único volume?
Os sábios deixaram de comer, dormir, consumiram-se nesta colossal tarefa. Quando voltaram com o
volume concluído, 10 anos depois, estavam a beira da morte. O fio de vida que
lhes sustentava era o anseio de satisfazer seu imperador. Este, ao receber os
sábios, estava também moribundo. Já não havia tempo para nada. Os sábios ao
perceber a inutilidade de tão grande esforço foram caindo um a um, morrendo de
fraqueza a medida que o imperador agonizava. Um deles teve forças suficientes
para aproximar-se do imperador e lhe segredar:
--- O homem nasce, sofre e morre. Eis tudo.
E ambos exalaram o último suspiro.
De onde viemos, quem somos, para onde vamos numa frase. É
uma belíssima fábula. Um verdadeiro jardim de mármore, liso e tão transparente
que podemos ver em seus veios, os traços singulares do desejo humano harmonizando-se
com a simetria da pedra. Pois o que determinou o sofrimento do imperador persa
foi a intensidade de seu desejo. Bem como o desejo de obedecer o imperador
determinou o sofrimento de seus sábios.
Não me atrevo a macular a perfeição geométrica da fábula,
mas é possível desdobrar o sofrer em desejo e este em prazer e dor. A dor grave
e constante da insatisfação de um desejo torna-se uma companheira desagradável. Daí a longa espera que se decorre na fábula e
seu final em anticlímax.
Mas esta interpretação abre uma interpretação que se estende para além da fábula: o desejo satisfeito gera um prazer que, por demais estendido, dói. Ou o inferno como uma festa que nunca acaba, segundo Stephen King. Pois a extensão do prazer pode ser medida tanto em intensidade como em tempo decorrido. A festa que nunca acaba pode durar o tempo de uma noite extrema: a balada, a curtição, a vibe. Ou vários dias de comemoração onde vão se acabando as provisões e não existe Cristo para transformar a água em vinho, tornando a celebração uma frustração.
A curtição, a balada, a vibe é uma predadora tecnológica da
ilha do nunca. Feita para jovens com hormônios em som e fúria e para todos com
ilusões de eterna juventude, não permite a saciedade enquanto não termina. Para
tanto, tem-se que estimular o desejo e seu apetite com as mais recentes
inovações em luzes, pickupes, recursos humanos (hostess, drags, gogos e afins).
E é claro: tecnologia química extremamente selecionada. É curioso observar que
não há tecnologias relaxantes na nite. Anfeta, Metanfeta, Coca, Ecstasy,
pílulas, energéticos, “curtas”. Crack para os mais desprovidos de recursos e
para os abastecedores tecnológicos de bermudão com cuecas aparecendo, camiseta
e boné, circulando como sombras, gatos pardos, praticamente ubíquos, a noite e
sua invisibilidade. Não há dor, não há
fome, não há cansaço. Há o desejo liberado em jorros de prazer dodecafônicos e
caóticos. E novamente a renovação do desejo e novo gozo, numa órbita onde
importa mais a permanente insatisfação do desejo que a concretização do prazer.
O mecanismo da fisiologia humana imposto de maneira artificial e pungente. O
desejo exponencialmente estimulado gera um prazer que esgota a si mesmo em
ciclos tão rápidos que se torna impossível a natural reposição de energia.
E não se iludam. Toda a energia liberada na curtição da
nite, na vibe, na balada, não volta para o homem. Isto não é Woodstock. Não há
união, nem celebração, é cada um por si
e salve-se quem puder. No fim das contas, generalizando, quem detém mais
tecnologia de prazer é o cara a ser consumido por outros caras. Emula-se tanto
amizade quanto energia. O transe não é coletivo, mas individual e todo mundo é
mais eu do que todo mundo. A inflação do ego e libido não tem outro resultado
para os consumidores de prazer do que uma colossal ressaca, e o potencial risco
de assumir a tecnologia do prazer como única maneira de saciar o desejo. De usuário do prazer a dependente do prazer tecnológico químico. Isto
é, se tudo terminar bem, pois num
instante, tudo pode acabar muito mal. Pequenas, grandes e singulares tragédias
são partes integrantes da nite, da vibe, da curtição.
Pois, é. Tudo terminado, quem curte prá valer mesmo, são os
produtores da nite, da curtição, da balada, os grandes provedores da tecnologia
do prazer que palitam os dentes, arrotando de satisfação enquanto contam a
bufunfa feita da energia alheia. Se estes caras sentem alguma dor, para mim é
um mistério. Ou um segredo guardado a sete chaves. Tudo bem, problema deles, o
que realmente torna-se visível são os mecanismos de contínua alimentação de
insaciabilidade do desejo e seu desafogamento em gozadas multíplas.
As pessoas não querem outra coisa, afinal sábado a noite tudo pode mudar. São os embalos de quinta, sexta, todas as feiras mais sábado e domingo a noite, os dancing days revividos, esta fuga em cú doce, toda esta merda que te obriga a se "divertir" como a crista da onde quer. Socado goela abaixo como se a gente fosse peru de natal. E a gente engole e pede mais, porra. Mesmo sabendo que vamos terminar no forno com um termômetro da Sadia espetado no peito.
As pessoas não querem outra coisa, afinal sábado a noite tudo pode mudar. São os embalos de quinta, sexta, todas as feiras mais sábado e domingo a noite, os dancing days revividos, esta fuga em cú doce, toda esta merda que te obriga a se "divertir" como a crista da onde quer. Socado goela abaixo como se a gente fosse peru de natal. E a gente engole e pede mais, porra. Mesmo sabendo que vamos terminar no forno com um termômetro da Sadia espetado no peito.
E depois disto tudo
você vem me dizer que a nite, a vibe, a curtição, a balada não faz parte do
sofrer humano? Podes achar mel entre os vermes da carniça?
Abra seus olhos irmão, não há antônimos para o verbo sofrer.
E depois não me venham falar que sou careta, infeliz, beato, invejoso, filosófo, visionário ou qualquer coisa deste tipo. Sou um curupira velho e ranzinza, vagando por estes destroços, este lodo, este pantâno, esta merda. Buscando a todo instante uma flor que me revele o segredo deste verbo antônimo. Que existe, mas nunca foi imaginado. E que, quando encontrado, conjugaria eu, tu, ele, nós, vós eles em algo realmente prazeiroso.
A plenitude do verbo Viver.
E depois não me venham falar que sou careta, infeliz, beato, invejoso, filosófo, visionário ou qualquer coisa deste tipo. Sou um curupira velho e ranzinza, vagando por estes destroços, este lodo, este pantâno, esta merda. Buscando a todo instante uma flor que me revele o segredo deste verbo antônimo. Que existe, mas nunca foi imaginado. E que, quando encontrado, conjugaria eu, tu, ele, nós, vós eles em algo realmente prazeiroso.
A plenitude do verbo Viver.
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Mande fumo pro Curupira