WoM
A página continha apenas o símbolo icônico de WoL (World of Legends), um magnetic link para o arquivo torrent e um comentário.
Minúsculo.
Perdido na página .org em que ele procurava os filmes, jogos e programas que não podia mais pagar.
“Obrigado por compartilhar esse jogo pra gente que, como eu, quer muito e não pode pagar.”
Parou. Leu de novo. De novo. De novo.
Não era só ele.
Fechou os olhos. Respirou. Sentiu.
O jogo não era só jogo. Era memória. Era desejo. Era ausência.
Precisava existir.
Não só para ele.
Não só para ele ter o jogo.
E não por vaidade ou glória. Nem por vingança.
Mas por que tinha que ser assim.
Ninguém compra a liberdade.
O jogo extrapolava seu dono, mas não, a criação.
E esta era para todos.
Ele precisava subir o servidor.
Precisava por WoL nas nuvens.
Mas do jeito necessário, do jeito que deveria ser, única utopia possível.
Ainda que ilegal.
Baixou o torrent.
Instalou o jogo.
Mas travou para subir o SQL.
O sistema, o que continha a mecânica, os gráficos, a liberdade de exploração.
Tudo o que fazia WoL ser WoL.
O coração pulsante do game.
Não sabia como o fazer, embora entendesse o funcionamento do banco de dados.
Convidou I$ago, seu hacker predileto e amigo pessoal para subir o SQL.
Nunca utilizara seus serviços e sim, a cerveja que ele lhe pagava.
--- Seguinte, man: estou com o wol instalado no meu sistema. Precisa só subir o SQL. Topa?
Claro que ele topou.
Amava craquear, hackear ou qualquer barato digital ilegal ou proibido.
E num piscar de olhos foi conferir o wol instalado na casa do amigo.
Sorriu…
--- Posso me sentar?
--- Claro que sim.
I$ago começou a digitar freneticamente o teclado.
Enquanto digitava falava sem pausas como quem digita um código:
--- O jogo precisa de um banco de dados relacional/uma estrutura que organiza informações como se fossem células de uma mente artificial/Cada personagem, cada item, cada montaria, cada linha de diálogo, cada ponto de experiência/tudo isso vive em tabelas interligadas, como se fossem sinapses/O servidor SQL funciona como um maestro silencioso/recebe comandos/interpreta/ consultas/atualiza registros/responde em milissegundos.
O amigo digitou linhas de código em Transact-SQL, a linguagem que conversa com o servidor. Criou tabelas, definiu permissões, ativou triggers.
Tabelas vazias. Linhas ocultas. Chaves sem dono.
CREATE. GRANT. TRIGGER.
Subiu o jogo com um estranho sorriso de quem guarda uma surpresa.
“Agora ele respira,” disse, riu e acrescentou: com algumas mutações, e riu de novo.
--- Como assim?
--- Dei uma aperfeiçoada nele. Mesmo jogo, outra cara.
I$ago riu de novo da cara do amigo: puro choque.
--- Só joga, depois me fala….
Então ele jogou.
Babou.
Os cavaleiros atacavam montados. As montarias, antes inúteis para o ataque, agora atacavam junto.
Missões que estavam escondidas em personagens mal aproveitados.
Interligações de expansões antes inexistente.
Fez de mapas expansões.
E das expansões mapas.
Transmutou classes, habilidades, poderes.
Mesmíssima cara e estética.
Outro jogo.
--- Chama-se World of Mythès. WoM. Como no mantra: “oumuooumwom” e riu feliz com sua “travessura”.
Deslumbrado ele riu também.
Fizeram contas para os amigos logarem e criarem seus chairs, alts, definissem aparências e jogarem sem os lags e bugs que existiam na versão paga.
Como não exigiam dinheiro, os amigos começaram a se expandir de maneira muito suspeita.
E tiveram que restringir o acesso.
Talvez por isto fora feita a denúncia anônima que ativou a Wizzard Enterprise Games Inc.
A empresa os processou por violarem direitos de propriedade intelectual e industrial.
Eles já tinham uma ideia que isso fatalmente aconteceria, não eram tolos.
Mas não tão cedo.
Então ele teve a ideia de expor a acusação.
E I$ago a ideia de disponibilizar o game gratuitamente para todos.
E juntos elaboraram uma página, continha sua resposta jurídica à acusação da Wizzard:
Publicaram a petição inicial que a Wizzard lhes enviou na íntegra.
Um documento jurídico longo burocrático e hermético que não cabe aqui reproduzir.
A seguir dessa infinita rolagem pentelha,
O link do jogo gratuitamente distribuido a todos os que por ele se interessassem.
E a seguinte frase:
Refute, por favor.
A Wizzard, para surpesa deles, encerrou o processo.
Ficaram mais surpresos ainda quando receberam uma fortuna pelos direitos de WoM.
Quase surtaram quando foram contratados com salários astrônomicos.
Quando foram xingados de mercenários e prostitutos pelos amigos riram:
--- Mercenários não, putos sim. E, quer saber, é uma delícia.
E os amigos com gargalhadas, foram obrigados a concordar.
Com toda razão.
Tanto amigos como criadores haviam descarregado a página da resposta jurídica nas entranhas da Dark Web, onde os utópicos se refugiam.
Ainda que nas profundezas digitais das trevas humanas,
Com os tarados e canibais.
Uahauahauah!!!!!!
Especialmente dedicado ao Pelotão Manga



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Mande fumo pro Curupira