A LISTA

 







O envelope marcado com pasta de dente caiu bem à sua frente. 
Vazio. 
No envelope depositara  as “lembranças do que poderia ter sido”. 
Lista de melhorias que julgava correta.
Era confidencial.
Estava no arquivo morto, onde trabalhava.
Era arquivista. Tinha mania de fazer listas. 
Listas triviais de cotidiano. Não como a que procurava.
Ela continha fatos, datas, nomes e sobrenomes, comportamento de cada funcionários da empresa. 
Grandes ocasiões e sussurros que remetiam ao segredo e à fofoca.
Anotara para o futuro.
Até listara seus sonhos. 
Suas melhorias.
O que realmente achava das coisas para a criança que gestava.
Material perigoso, mas que julgava ser útil ao filho ou filha que viria.
Escondera o diário no mais empoeirado armário. Dentro do envelope marcado por pasta de dente.
Esse envelope vazio à sua frente.
Súbito, o desespero.
Se alguém lesse sua lista estaria exposta.
Falava muito do trabalho. 
Melhorias, achava ela.
Seu pé tropeça. Ela estende os braços.
Tenta segurar-se na alça da janela, escorrega cai.
Na queda abriu a janela. 
Uma torrente repentina de vento revelou um longo volume de papel de impressora antiga. A lista.
Ela arrastou-se do chão até o papel.
Estava em branco.
Outro pilha revoou com o vento que entrava pela janela.
Foi atrás dele.
Estava escrito à impressora.
Ela escrevera a mão.
Ficou mais nervosa.
Se alguém achasse a lista, estaria exposta.
Afinal quem não reconheceria nela a bibliotecária que ousou aos quase quarenta anos ter uma produção independente e enfrentava tanto olhares quanto atitudes hostis.
Estaria exposta!
No dia em que soube que estava grávida com certeza, não se conteve e contou à sua melhor  “amiga” de trabalho, uma secretária. Confiou nela.
Mas no dia seguinte já zombavam. 
“Avó” e mãe solteira, que vergonha, era a moral da história.
Foi transferida do arquivo principal para  arquivo morto da empresa.
E assim começou a lista.
Não por vingança e sim por justiça.
Ficava, por vezes, sem ver uma única pessoa durante a semana.
Era altamente improvável alguém tê-la encontrado.
“Mas poderia vir a encontrar”
Pensou com os dentes cerrados e lágrimas prensadas nos olhos.
“Preciso me controlar”.
Não conseguiu.
Uma desconfiança cada vez maior abriu seu leque de possibilidades de lugares onde poderia ter enfiado a lista ou, pior, onde poderiam ter enfiado a lista.
Os papeis começaram a voar ao seu redor.
Abria gavetas freneticamente.
Revirava os arquivos, pasta por pasta.
Ao final do dia, todos os arquivos amontoavam-se em pilhas regulares de papel montadas ao seu redor. 
Nada da lista.
Voltou para a mesa de trabalho.
Pegou um papel em branco.
Escreveu uma carta de demissão.
Não boa o suficiente.
Amassou o papel e, quando foi arremessar ao lixo, deu-se conta que lá, entre os papéis amassados, repousavam folhas e folhas soltas escritas à mão balançando ao vento.
Era sua lista.
Releu-a. 
Achou-a, dessa vez, ofensiva e inútil.
E para ter certeza que ninguém a leria, foi ao 4 andar e jogou-a numa enorme picadora de papel.
Ficou vendo as tiras de papel saírem das lâminas da máquina.
As pessoas à sua volta dessa vez a olharam com espanto.
Nas últimas semanas ela não saía do arquivo morto.
Ela não ligou para olhar nenhum.
Apenas alisou carinhosamente seu ventre.


FIM

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