CRÔNICAS DOS AMORES ESPACIAIS–DE TRIANGULOS AMOROSOS E SEUS EFEITOS NOS CORAÇÕES NELES ENVOLVIDOS iii

O piloto não era um mau sujeito. Era um irlandês simpático e sardônico, não se distinguia pela beleza, absolutamente. Mas tinha uma personalidade marcante, era competente e ousado em seu trabalho. Cativante.
E ele tinha certeza que cativara Judite. Mas o peso da hierarquia era forte demais para ele forçar a barra.
Resistia a impulsos loucos e infantis, como tomar-lhe a mão em plena ponte de comando, e indicar o caminho para Plutão através das estrelas que conhecia.
Falaria sem algoritmos de navegação, mas com amor que sentia pelo milagre de estarem no espaço, contemplando o eterno juntos, como se eles, fossem, apenas por amarem-se destinados ao infinito, falaria das supernovas que traçavam em seu coração os rastros luminosos mais belos e que dirigiam-se aos olhos, a boca, ao corpo inteiro da capitã, mas principalmente ao seu coração, à sua mente, ao centro de seu ser.
E lhe falaria da supernova que explodia em seu peito, mas com a linguagem dos lábios, dos beijos, dos toques, um sonho, despejar em Judite toda a leveza da gramática do amor.
Um sonho, um devaneio, uma melancolia.
Totalmente impróprio para uma missão como aquela. Uma felicidade fugaz a ser evitada.Nada mais.
E seu sorriso tornou-se mais raro.
A Cel. Peixoto não deixou de perceber as sombras tomarem conta de seu piloto.
Sabia o motivo. Sentia o mesmo. Mas aproveitava cada migalha de amor que podia colher da situação. A proximidade comandante-piloto permitia-lhe tocar-lhe suavemente com os joelhos e sentir arrepios estranhos para uma mulher até então segura de si mesma.
“Totalmente adolescente, Judite, sua criança” – repreendia-se internamente, pois a cada toque, a cada flerte inocente, descobria a intensidade da paixão mútua. E a doce tortura de sentir-se amada, a incentivava a continuar com as abordagens sutis, os toques fortuitos, não havia como parar.
Mal sabia ela que Fitzgerald sofria com isso. Horrores. Não era do tipo que segurava suas paixões e sentia-se entrar em erupção,  pois lutava com todas as forças, para resistir aos flertes de Judite. Mas, derrotado, começou a aguardar ansioso as brincadeiras amorosas de sua amada
Mas as migalhas do amor deixavam-nos mais sedentos. Quase incontroláveis. E o inevitável aconteceu.
Numa tempestade eletromagnética, estavam andando juntos pelos corredores das estação. Houve um tranco, uma onda de impacto os atingiu derrubando um nos braços do outro. Olharam-se. Beijaram-se. Ignoraram, as câmeras, o alerta de segurança, os perigos da tempestade e rolaram pelo chão da estação indiferentes a qualquer perigo e concentrados em explorar todo o âmago do amor contido na saliva um do outro.
No controle da missão, na Terra, Leandro recebeu as imagens. Deletou-as do sistema com um suspiro de dor, ódio e impotência. Uma palavra e teriam ambos punição administrativa por conduta imprópria a oficiais numa missão galáctica. Os conselheiros eram moralistas. Diabos, nesse caso, até ele era moralista, mas não havia nada no regimento da Federação proibindo o amor entre seus integrantes.E apenas ganharia o desprezo de Judite.
Porém não podia ignorar o relatório de danos. As baterias solares foram seriamente danificadas pela tempestade.
“Não podemos deixar o piloto se divertindo quando há trabalho a fazer, não é mesmo? Um trabalho arriscado, necessário e tão oportuno...”
A voz negra lhe sussurrava nos ouvidos, como uma carícia proibida. E por isto mesmo tentadora.
Ignorando seus sentimentos, projetou sua voz para o Controle da Missão.
--- Caros, temos um problema. A tempestade magnética desconectou os painéis solares da bateria principal da estação espacial. Todos os sistemas estarão inoperantes em questão de poucas horas e temos que tomar as devidas providências. Acionem o piloto para a nave reparadora Alfa 01. Estarei supervisionando o trabalho de reparo pessoalmente.
Um botão vermelho que significava morte para o ocupante da nave exploratória parecia pulsar a sua frente.
No exato ritmo de seu coração.