A JUSTIÇA DO CURUPIRA RANZINZA–O PAJÉ PRESO INJUSTAMENTE

1306900011_behind_bars_by_xthumbtakx-d2me2cx

O Pajé não sabia porque estava enclausurado por trás das grades. Não sabia que este era o castigo dos inocentes que procuram ajuda junto com o homem branco. Pois havia procurado ajuda. Nada mais que isso. Chegara àquela estranha aldeia quente de pedra perecível de mãos vazias e espírito esperançoso. Havia combatido a morte da Selva. O bom combate, não era assim que o homem branco o chamava, essa luta contra a miséria do espírito do branco, suas mazelas anunciadas no que eles chamavam de cadeia nacional.

Foi aí que soube que os mesmos sujeitos que traficavam cocaína e envenenavam o espírito dos rios com suas imundícies explosivas, bombas, tiros, mata mata de animais por esporte, este mesmo cara que o Pajé impedira de atravessar suas terras e macular o espírito de seu povo e da Floresta, enchia os filhos do homem branco deste veneno. E os apresentadores de telejornais pediam providências.

Ele tomou providências. Pediu ajuda, traçou um plano, foi as autoridades. Sim só podia saber isto, estava entendendo a lei que tingia o espírito do homem branco com o manto de uma noite de lua nova. O mais forte fode o mais fraco. Não é como comer, algo mais pesado, algo violento e sem livre arbítrio, indigno de qualquer homem ou mulher, o homem branco não devorava o corpo de sua vítima, mas sim seu espírito. O mais forte fode o mais fraco. A LEI gravada a fogo no espírito deste ser, o homem branco, cada vez mais difícil de o imaginar como uma criatura irmã. Pois tentavam foder seu espírito a cada momento.

Talvez por isso, discutissem tanto se havia ou não seres de outro planeta e deixassem o seu morrer.

O Pajé estava dominado por escuridão, dúvidas, impurezas mil que envolvem o completo estado de indignidade humana que conduz a qualquer cuja vida é tragada pela órbita pesada da injustiça, essa nossa maneira tão banal de “acertar as coisas”.

Pois o Pajé, para o homem branco era um incômodo. Ele criou um centro cultural pra garotada cabocla, ensinando a trabalhar com a floresta de pé, sem derrubar, frutiferas, açaí, etc, formando liderancas ambientais caboclas e mantendo o espírito da floresta jovem, renascendo a cada geração. Peitou os traficantes que usavam o rio pra descer com cocaína.

Usou suas últimas reservas anímicas para lançar seu espírito ao Cosmos.

Os traficantes riam com sujeitos de terno e gravata constrangidos em seus sorrisos amarelos, mas de bolsos cheios e espírito regojizando mediante uma palavra: Caymãs...

--- O mais miserável de todos os mortais ouviu um grunhido rugir suave ao pé do ouvido.....

Uma brasa iluminou o rosto do Curupira. Ele não estava bem humorado. Seu corpo sangrava, mas o sangue refluía para dentro a cada batida do coração.... Os pelos enormes misturados com galhos que envolviam os olhos de onça como um capuz estavam manchados de umidade da terra, uma harpia picava um rato em seu ombro. Podridão e Frescor emanavam um odor que levava o Pajé a purga.

--- Vou lhe mandar fumo, cumpadi... Em breve. Mantenha o espírito forte.

Dia seguinte um guarda amanheceu sem a arma. Ela estava encima da mesa desmontada e retorcida. A porta da delegacia aberta revelava pegadas que levavam para lugar nenhum. Pois circulavam o edifício, cruzavam-se e se perdiam na picada de mata mais próxima.

E havia sangue nelas. Em todas. E todos os que passaram viram, durante aquele dia inteiro o sangue ferver dentro das pegadas. A noite também. No dia seguinte as pegadas e o sangue sumiram. Todos viram ou ficaram sabendo. Pouquíssimos entenderam o que iria acontecer...

Mas o medo foi devidamente instalado. O Protetor da Mata manifestara desejo de sangue e sangue iria ter. Não seriam estes poucos que iriam cruzar seu caminho. Os demais já teriam se esquecido e só lembrariam do medo tarde demais, coitados.

Pois coisas as coisas começaram a dar errado para os homens da delegacia.

Primeiro foram os urros.... Indescrítiveis.

GROHHSHSSHHJHDRRRHHHGHRRKJJJLLSKKJEJIAKMKAMKD.

Seguido pelo silêncio de tudo o que é bicho da noite. Durante horas o silêncio. Depois, os bichos voltavam a sua cantoria só para tomar outro urro. E eles se calavam, como que obedecendo a uma força que os comandava.

O delegado encarregado era alvo dos olhares de todos. Um Indio novo, cheio de energia e vontade. Mas ele era um dos poucos que sabiam o significado de tudo aquilo. E sabia que estava marcado. Mas não podia dar mole, não agora. Olhou para seus homens bravo.

--- O que estão esperando, investiguem. Vamos. Caiam fora, tem alguém brincando conosco e quero saber quem é. Tragam-me esse filho da puta, porra. Prá ontem.

E quando todos já estavam fora, o delegado sorriu, engoliu sua calibre 12 e explodiu seus miolos.

Julgou isso melhor do que enfrentar o que estava por vir.

O Praça Jr. olhava prá trás, quando viu o clarão do tiro e soube o que acontecera de imediato. Pois estava com o cú na mão. Ninguém estava brincando com eles. Sempre sentira medo da mata. Medo real, julgara, de cobra, onça, saúvas em correria, tudo isso lhe dava medo. Entrara para polícia para sair da mata. Mas esse medo era mais, era a morte iminente que se instalara em seu coração.

E a morte cantou seu canto, pois suas pernas correram pela noite escura sem que percebesse. Em direção a um lusco-fusco serpenteante, verde brillhante movendo-se pela mata adentro, seguida de perto pelo Praça Jr. Então parou.

--- Tem fumo? Se num tem, tá morto!

O Curupira tomou forma diante dele, brotando do solo da mata, incorporando folhas, pelos, penas, galhos formaram seu capuz, os olhos de onça brilharam através do Praça Júnior que tentava gritar mas apenas conseguiu gemer

monstro-do-pantano-mmiller-5-2012

--- Mãe!

Antes que uma enorme Harpia lhe rasgasse a garganta de cabo a rabo.

Lá na dianteira da patrulha, o Sargento Elias mascava seu chiclete de nicotina puto da vida. Estava velho prá esse tipo de coisa. Toda porra de lugar como aquele tava atolado de lendas e mitos e toda esse papo sobrenatural, estotérico e tal. E em noites como aquela, sempre tinha um imbecil querendo passar trote e amanhecer no quadrado. Por ele tudo bem, mas já estavam indo pra fundo na mata e nada. Quando apanhasse o sacana que fizesse isso ele simplesmente ia resistir a prisão. E tomar uma surra inesquecível, pode estar certo disso.

Foi então que sua lanterna focou uma trilha anexa, quase imperceptível. E pegadas.

Vêm o urro:
ROSOSHHSOSOSASAARSSSRRRRRRRRRRRRHRH!!
E outro. Mais outro. Altos. Muito altos. Muito próximo. Vindo de todos os lugares, de lugar nenhum. Elias vê seus parceiros tremerem nas bases. Mas sorri:
--- Estão ouvindo, cambada?! São eles! Estamos quase lá. Os cagões sabem que estamos aqui e dão estes miados pra nos assustar. Mas aqui é tudo sacoroxo, é ou não é? Então... Chumbo neles!!!!
Elias saca seu revolver e avança pela floresta atirando a torto e a direito.
Todos o seguem. E se lançam pro fundo da mata berrando, atirando e brandindo os facões. Mas não há ninguém, nem nada. Nem o urro há mais.
Mais tarde a patrulha encontra uma pequena clareira. Simplesmente desemboca nela. Do nada.
Nela encontram uma trilha. E pegadas. O cansaço é grande, a aurora se aproxima, mas o caminho pelo qual vieram sumiu. Não tem outra opção. Seguem a trilha, mas ela desemboca na clareira. Esta revela nova trilha, e outra e outra e mais outra. O sol está nascendo, a patrulha se divide em três. Cada grupo explora uma trilha. Apenas dois grupos voltam. Só encontraram o mesmo lugar. A clareira.
RRRoohhhhhaHHHAAAHHAHANNNNAHAHAHHHAOAAAKKKKKKK. O urro vêm com o nascer do sol. E só então eles lembram-se do medo. Das pegadas. Do sangue. Do presságio. Só então entendem.

--- KURUPI'R - gritam os policiais índios,
--- CURUPIRA - gritam os policiais brancos.
E o homem branco não é mais temido. Ele teme. Mas o solo onde pisam os trai. Vira lama, movediça, aquosa, engolindo pés, pernas... lentamente.

Enquanto o urro vira uma risada e o sol observa a patrulha integrar-se pouco a pouco às entranhas da floresta.

Quando o sol acorda o pajé, é tarde. Há sombras nos cantos e a luz do sol lhe bate nos olhos.

--- Toma seu fumo, pajé.

O Pajé proteje os olhos do sol. Nas sombras ele vê uma mão galhuda e peluda lhe oferecendo um cachimbo de barro em brasa.

Ele fuma.

Tem sabor de liberdade.

harpia


Comentários

Postagens mais visitadas