CRÔNICAS DOS AMORES ESPACIAIS– DE RELATIVIDADE E AMORES DESTROÇADOS

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Ele estava tomando café concentrado na ponte de comando da nave espacial quando recebeu a transmissão. Sua esposa. Séria. Estranha.

--- Jairo, oi. Eu... Na verdade estou aqui para te apresentar alguém muito especial... Alguém que amo muito.

Ela puxa um homem alto, magro e atraente. Terno sob medida. Empresário bem sucedido, com certeza.

--- Sinto muito, benzinho, simplesmente aconteceu. Não posso aceitar que você vai envelhecer apenas 05 anos e me encontrar uma velha acabada. Não posso esperar, meu bem. Tenho o maior carinho por você, sempre terei, mas o tempo, Jairo, o tempo... Deixou nosso amor impossível, despedaçou meu coração, todo o meu amor por você virou cacos, não conseguia mais colá-los, entende...

Então, quanto estava com esse vazio insuportável dentro do peito, Mauro apareceu.

--- Ela não teve culpa – interveio Mauro – nem eu. Simplesmente aconteceu e não pudemos resistir.

--- Quem resistiria, responde o astronauta, encerrando a transmissão

Mas ele não deixaria de amá-la. Não ali, no meio do espaço vazio, com o brilho distante de estrelas inalcançáveis e o silêncio da eternidade do Cosmos martelando, segundo a segundo em sua cabeça.

O amor, ainda que totalmente acabado, jamais seria enterrado no seu coração.

Não ousava. Dependia dele para viver, para prosseguir numa jornada onde seria o primeiro homem a gravitar na densa gravidade da estrela XYA-110, o mais próximo que o homem já chegou a um buraco negro.

Milhares de testes garantiram a segurança da construção da nave, ela poderia orbitar a estrela sem ser atraída pela força da singularidade do buraco negro.

Mas o tempo, o tempo da maneira como conhecíamos no planeta Terra, passaria de maneira totalmente diferente. 1 ano em órbita da XYA-110 equivale a 10 anos terráqueos.

Jane, sua esposa jamais entendera e nem aceitara esse fato. E nunca perdoara o marido por ter aceitado a missão. Não pensara nela, nunca pensava, nunca quisera ter filhos, nuca lhe dera a oportunidade de ser mãe. Ele tinha uma amante, claro que tinha. O maldito espaço sideral. Por acaso ele te dá orgasmos, ou o que? Qual o prazer que você tem, me explica.

Ele nunca soubera explicar. Suas racionalizações eram logo derrubadas pela lógica pragmática da mulher.

Então dizia a única coisa que sabia ser uma absoluta verdade cravada no seu eu mais profundo, marcada a fogo, implacável e imperativa:

--- Nasci prá isso, amor... Nasci pra isso. E ésssa é minha última missão, te disse. E te amo, não importa o tempo, você sempre será a mulher mais adorável do mundo para mim. Nunca vou deixar de te amar e você vai ver como envelheceremos juntos, e teremos as rugas mais belas do mundo e seremos sem vergonhas o suficiente pra fazer muito amor. Te amor, minha querida... Perdão, mas tenho que ir.

E ela o deixava em paz. Mas podia ouvir seu choro, sentir a amargura que invadia sua alma. A solidão que aguardava a ambos, em espaços diferentes, ele entre as estrelas, ela em sua solidão de mulher moderna multitarefas e sem tempo para amizades.

Mas bastavam-se. Ela e Ele, daí florescer forte e vigoroso o amor no coração de ambos.

Até o tempo, o tempo da relatividade, das órbitas pesadas, da desconhecida singularidade devoradora de matéria do buraco negro, da escuridão silenciosa e solitária do cosmos, dos cálculos intermináveis e das décadas que viriam sem que visse o sol de um parque com a grama bem cuidada e cheirando a verde fresco. Tanto trabalho e sacríficio. Nascera para isto, este desafio utópico de desafiar o tempo.

E tempo matou o amor no coração dela.

Percebeu que, não demoraria muito mataria o seu amor também, pois não haveria amor para nutrir o amor que insistiria em sentir por ela. Não conseguiria sobreviver sem ele. Mas ele já sentia o coração estilhaçar-se, transformar-se em pó, escoar pelo peito como se fosse ampulheta.

O tempo acabara de matar seu amor também.

Jairo desmoronou. Sentou-se na poltrona de piloto da ponte de comando da nave espacial.

Checou os dados. Tudo correto. Enviou-os para a Terra. Com um recado para Jane:

--- Diga a minha esposa que sempre estarei aqui, no céu, com todo meu carinho por ela.

Algumas horas depois decolava na nave exploratória da nave principal.

Orbita traçada: O centro do buraco negro. O centro de todo o tempo pesado das gravidades desconhecidas, a escuridão inimaginável que destruiu seu amor. Que encheu seu peito da certeza de uma eternidade silenciosa, vazia e silêciosa, infeliz como o inferno.

Pois que para lá o levasse de verdade.

De que lhe servia o amor pelo brilho frio das estrelas eternas sem jamais provar a fugacidade deliciosa dos lábios da mulher amada, do íntimo contato com seu corpo, suas curvas conhecidas e adoradas. Da sua carne quente e apaixonada.

Jamais teria Jane novamente. Quando voltasse, seria um estranho num mundo muito diferente, um planeta onde o alienígena seria ele.

A dor em seu coração apertou-se, a nave acabara de entrar em gravidade 2, e o buraco negro a sugava com força. Jairo desligou os motores sentindo espasmos no peito. Deveria ter colocado o traje para gravidades pesadas, mas para que retardar o inevitável...

Em gravidade 3 finalmente sentiu que seu coração parava.

Teve tempo suficiente para olhar o centro do buraco negro. Aquilo para que nasceu.

Morreu decepcionado. Não havia nada lá dentro.

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