O VENTO SABE A RESPOSTA - PARTE III - O VENTO FALA







Encontrou a janela da porta do banheiro da área de serviço aberta, sua porta movendo-se prestes a bater.
“Engraçado, achei que a tinha fechado antes de dormir...” pensou enquanto interrompia o movimento da porta velha e corroída de madeira.

Fechou a porta. Por receio – ou medo - trancou-a com a chave.

Quando percebeu o sol raiando, apressou-se. Aquele devaneio tomara mais tempo do que imaginara

Não podia se atrasar logo no primeiro dia de trabalho, pois, além da permissão da chefia, com muito esforço, também conseguira a permissão do reumatologista para voltar a trabalhar, desde que não parasse com os exercícios.

Não podia colocar essa chance a perder
Não tinha mais paciência para levar a vida vazia e oca que vivia agora, mesmo com dores dos nervos e tendões inflamados. E não queria ser tratado como um invalido.
“E muito menos como louco, caso conte essa história para alguém”.

Então fez café, ovos mexidos, suco de laranja, arrumou-se e tentou ir luta.
Estava saindo de casa, quando ouviu o suave movimento da tranca da porta do banheiro se abrir e o que lhe pareceu a risada sincopada do que antes era o uivo do vento:
Clic. Uh-Uh-Uh-Uh

Sacudiu a cabeça, incrédulo. Aquilo era uma gozação. “sim, minha, do vento!” alguma coisa no fundo da mente lhe respondeu.

“Estou aqui com você-Uh-UH-UH”

PA!- a batida da porta do banheiro completou 
aquela fala saída de lugar nenhum.

Aquilo lembrou-lhe do sonho.

Agonia. Sombra. Gelo.

Como no sonho, o vento lhe desferiu outro golpe, atravessou-o e dirigiu-se ao quarto mirando a santinha.
Irracionalmente correu em direção ao quarto e mergulhou em direção ao seu modesto altar.

Apanhou a santa em plena queda.

O Pires caiu em sua testa. Quebrou.

Uma pequena lasca entrou em sua pálpebra e um fio de sangue turvou sua visão de vermelho.
Pareceu-lhe ver algo indistinto por entre os pontos rubros que lhe tingiam a visão.
“O vento, o pânico, calma, respira” Pensou, numa tentativa de voltar a lógica do dia-a-dia, tão rotineira e natural para ele. “O trabalho, o trabalho!”

Limpou o rosto.

Não havia nenhum espectro de sangue a sua frente.

Mas podia ainda sentir no corpo uma queimadura. Ergueu a camisa:
Uma queimadura vermelha e cheia de bolhas estava cravada em seu abdômen.

De sua perspectiva tinha o formato exato de um punho humano.

Correu ao espelho para ver melhor aquilo.
“Puta que pariu. Um punho, caralho”
Aquilo era sério. Insano, porém real.
Esqueceu-se do trabalho, afinal, não havia dúvidas. Alguma coisa sobrenatural estava acontecendo em sua casa.

Não sabia direito como, mas algum instinto lhe dizia como reagir. Algo mais primal que a consciência tomara conta de sua mente.

Olhou para a santa, ainda em suas mãos.
Mesmo tendo consciência que não havia lógica nenhuma naquilo, apenas sua própria crença, soube de imediato que ela era sua única proteção.

A santa tornou-se sua motivação. Nela despejou sua chance de sobrevivência, dane-se a lógica e a sanidade.

Levantou-se, acendeu a vela com o bic e foi com seu mínimo altar, em direção ao uivo, ao vento, ao horror gélido que lhe atravessava a espinha.

Pá!- Hu – Hu – Hu –Hu- Pá... Pá...






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