O VENTO SABE A RESPOSTA - PARTE II - O UIVO DO VENTO






Dormiu algumas parcas horas e, ao despertar, na falsa aurora cinzenta, quando o sol ainda não decidiu se levantar, pulou da cama assustado, bateu na imagem, derrubou a santa.

Mas para seu alívio, a imagem resistira ao tombo e não quebrara.

Foi quando ouviu novamente o uivo.
Depois uma porta bateu.

E outra, E outra. Do quarto, da sala, da cozinha. Todas as portas de sua casa bateram com Pás e Pous secos e graves.

“O vento está dentro de casa”.

Mas então, ouviu uma porta extra se batendo.
“Mas todas as minhas portas já bateram” pensou, a adrenalina jorrando em suores frios.

Obteve o uivo como resposta.

Era tudo impossível, irreal.

Lá fora uma suave brisa acariciava as árvores, mas em sua casa, havia o uivo, as cortinas paradas e portas que não existiam batendo.

Era um cara lógico, não aceitava deuses e religiões como solução para qualquer problema do mundo.

Uma vez, discutira com um outro sujeito que afirmara que o presidente era um milagre enviado por Deus.

--- Você não percebe que com esta afirmação, morre qualquer possibilidade de diálogo? Pois vou lhe dizer uma coisa: O mundo é um lugar para humanos, não para deus.

Ao seu ver, o mundo não tinha nada de divino muito menos sobrenatural. Era uma coisa lógica, concreta, real, humana e, portanto cheio de falhas.

Adorava desbaratar teorias da conspiração, mistérios do sobrenatural e ufológicos, e até, detonara kriptozoológicos.

Mas, porém, não deixava de admirar a criatividade e engenho humano e embora condenasse a proliferação de sofismas que aquelas crenças provocavam, divertia-se com elas.

Escrevia desbaratando aquelas estranhas ideias num blog pouco conhecido, mas seu hobby: Cético mas Crente.

Mostrava, ou ao menos cria nisso, a medida exata da estranheza humana, da necessidade de ter fé em algo, tanto fazia nas maravilhas de um paraíso ou no ridículo da imaginação humana.

Então como podia acreditar numa situação que beirava o antinatural?

Não sentia medo, mas estava perturbado, sua fé em seus sentidos abalada. Estava fraco, frágil como um caranguejo sem casca.

A alternativa ao mundo dos espíritos perturbados, era a sua própria disfunção mental.

Ouvia coisas que não existiam.

Recusava, também, essa possibilidade, ao seu ver muito mais assustadora.

Mas não havia motivo para sentir-se insano, racionalizava.

Até ontem, era uma pessoa normal, pacata, enfrentando a crise de meia idade, fazendo um esforço final para voltar a um trabalho rotineiro como escriturário de um cartório de notas.

Mas havia essa tensão que lhe inflamava os nervos, uma dor que pincelava os tendões a ponto de não mais poder digitar. Impossível trabalhar.

Muito menos divertir-se com seu blog.
Havia a preocupação de não poder voltar ao trabalho, seu chefe parecia lhe acenar com a possibilidade de uma aposentadoria por invalidez.

“Uma vergonha... Que farei então?”, pensara quando abaixara a rosto sem olhar nos olhos do patrão e acenara positivamente com a cabeça.

Isso o deixou arrasado. Engoliu, mas lutou contra aquilo até o chefe lhe dar uma chance.
O trabalho e um carro velho, que agora pouco usava, tamanha dor que lhe causava dirigir, eram as únicas coisas que tinha.

Não teria saco para se dedicar a vida inteira a seu hobby e as maravilhas e horrores das estranhas crenças humanas que o divertiam. Sem o trabalho, aquilo não parecia fazer sentido.

Fora os tendões contraídos ao limite e os nervos literalmente à flor da pele, havia essa longa licença, e as dolorosas e, mais longas ainda, sessões de fisioterapia associando-se para deixa-lo mais ansioso a cada dia.

Há meses estava em recuperação.

Aquilo era quase insuportável. Sedentário por natureza, nunca praticara tantos exercícios na vida.

E a exaustão física, a constante ansiedade dos nervos e a melancolia da possibilidade de ser considerado inválido estavam ferrando seu sono.

Há uma semana não dormia direito.

Talvez isso o estivesse deixando perturbado.

UHHHHHHHHHHHHHHHH--- PAN!

O uivo e outra porta inexistente manifestaram-se, seus pensamentos interrompidos num susto.

Com muito esforço foi verificar as portas do casa uma a uma.



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