Dois Momentos de Pouco ou Nenhum Dinheiro
I
Aos desempregados de meu páis.
Era uma vez um técnico com vasto conhecimento em eletrônica. Trabalhava numa multinacional de serviços especializadíssimos. Focou-se nestes trabalhos. Especializou-se mais e mais. Com o tempo seus vastos conhecimentos tornaram-se mínimos, pois a memória atrofia-se com o desuso. E a maioria do que aprendera, não tinha uso para a empresa. Enquanto isto, para distantes gestores, ele tornou-se um número a mais nas intermináveis estatísticas de um relatório em Excel . Planilhas que demonstravam que havia números demais para determinado orçamento. E, na terra da estatística, foi sorteado. Um número aleatório escolhido para demissão. Ele cumpriu sua última ordem: despiu o uniforme da empresa, devolveu o equipamento, retirou suas coisas do armário que tinha seu nome. Depois arrancaram seu nome do armário. Eu o vi outro dia. Vendendo guardanapos no semáforo. "5 por 10". Comprei. Ao chegar em casa, envolto nos panos, seu currículo. Ele envolvia cuidadosamente, em cada lote de guardanapos, sua experiência profissional. E a vendia pelas ruas, junto com suas esperanças...
II
17:15. Saio do dentista e encaro a rua da cidadezinha onde moro. À luz do fim da tarde ela está vazia e melancólica. Sempre há poeira terra-roxa por aqui. Dá para ver as partículas flutuando entre as construções desgastadas que me cercam. Fundo-me com a cidade. Triste, vazio e cansado. O dentista vai custar mais que o dobro do meu salário. Preciso me cuidar mais, tratar do meu self-brand, seguir as 07 maneiras de emagrecer rápido, comer o alimento saudável do dia, passar o bálsamo da hora para as rugas e linhas de expressão que evito olhar quando no espelho. E onde foram parar as 05 maneiras de ser assertivo no trabalho e as 09 atitudes para conquistar o respeito do meu gestor que imprimi? Será que assim conseguirei a tão sonhada promoção e aumento de salário que garantiria o dinheiro necessário para pagar o dentista? Tem que ser. Os especialistas o dizem. E eles devem saber do que estão falando... Ou talvez eles não tenham nenhuma destas preocupações, tão absortos que estão com os números de suas cabalas.
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Mande fumo pro Curupira